quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A Liberdade É Azul

Para Krzysztof Kieslowski, a liberdade é de uma abstração tal que perdê-la (ou mesmo recuperá-la) depende quase que exclusivamente de um estado de espírito. Daí, talvez o fato de que este é, dentre os exemplares da ‘trilogia das cores’, o mais intimista. 
Em tons azuis onipresentes, de sussurro em sussurro, testemunhamos um acidente de carro, e a longa, lenta e dolorida recuperação da única sobrevivente: a personagem de Juliette Binoche. Logo, vamos descobrir que ela, assim como o falecido marido, é uma musicista. E que o projeto incompleto dele (uma composição em homenagem à Unificação Européia) ao parece, é uma incumbência que cabe somente a ela terminar. 
É, portanto, o processo de desvencilhar-se de todas as prisões do luto a grande questão do filme. Justamente por isso pode ser um pouco frustrante, para cinéfilos mais objetivos e desavisados, procurar por um sentido relativo ao título (em português): A liberdade, por assim dizer, não é um elemento que surge de forma literal na narrativa de Kieslowski. 
Ela também não é a única. 
Todos os princípios abordados ao longo da trilogia aparecem nos filmes sem distinção. Ou seja, liberdade, igualdade e fraternidade são questões discutidas nos três filmes. Mas, é claro que a liberdade ganha um outro enfoque aqui. Os personagens, conduzidos por Kieslowski, deixam-se distrair pelas banalidades cotidianas  enquanto marginalizam os momentos de significado, como o garoto no início, que ao ocupar-se com um brinquedo, acaba vendo o acidente só depois que aconteceu. Ou o torrão de açúcar, que captura de tal forma a atenção de Juliette, que todo o resto ao redor lhe perde a importância. 
Se há um fator de destaque, é a música (e não poderia ser mesmo diferente num filme em que a protagonista exerce a música como arte e como vocação), e isso abre espaço para Kieslowski trabalhar a trilha sonora, fundindo-a com a música que surge em cena, em composições que os personagens executam, ouvem, ou mesmo que idealizam em sua própria mente ao ler uma partitura. 
O mais triste dos exemplares de sua trilogia, “A Liberdade é Azul” iniciou com pompa esse projeto que Kieslowski abraçou nos anos 1990, e que terminou por marcar sua época.

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