"Gerry" é um filme difícil. Na
realidade, ele é assim porque seu realizador, Gus Van Sant, é um cara difícil.
Ele até mesmo deixa de ter uma postura como
autor à sua maneira iconoclasta. Ao longo de sua carreira, Van Sant já fez de
quase tudo: filmes independentes que flertavam com o experimental
("Drugstore Cowboy"), filmes independentes que flertavam com o comercial
("Gênio Indomável"), obras de ressaltada sensibilidade artística
("Garotos de Programa"), delírios autorais que não deram certo
("Até As Vaqueiras Ficam Tristes"), tentativas mainstream
("Encontrando Forester"), produções com singular senso de observação
("Elefante"), obras aclamadas e ousadas financiadas por grandes
estúdios ("Milk-A Voz da Igualdade"), obras feitas à parte dos
grandes estúdios, mas que obtiveram aclamação ("Um Sonho Sem
Limites"), projetos pessoais insossos ("Inquietos") e projetos
pessoais catastróficos (o remake de "Psicose").
Dentre tantas coisas, sua identidade sempre
transpareceu com mais ênfase no cinema independente.
Daí vem a "trilogia da morte", da
qual "Gerry" faz parte, junto com "Os Últimos Dias" e
"Paranoid Park".
Por meio de sussurros, de elipses silenciosas,
acompanhamos a estranha trajetória de dois amigos, ambos chamados Gerry.
São eles interpretados por Matt Damon e Casey
Affleck.
Os dois vão a um deserto peregrinar, e em algum
ponto descobrem-se perdidos naquele ermo de areia, onde, nos dias inclementes
que se seguirão, não encontrarão nem mesmo um refúgio de sombra para o sol que
lhes castiga.
Há uma subjetividade em todos os aspectos de
"Gerry" –e que propicia à obra inúmeras conclusões distintas.
Tal subjetividade se encontra presente já na
primeira cena, que acompanha, com uma melancolia onipresente, os dois amigos
dentro do carro, sem trocar uma palavra, enquanto seguem em direção ao deserto
em que se perderão. É também indicativo de um certo simbolismo –a favor do qual
a narrativa de Van Sant trabalha –a cena intrigante da pedra gigante sobre a
qual um dos ‘Gerrys’ vai parar após tanto andar; o fato dele mesmo não saber
como foi parar lá pode ser uma das pistas deixada por Van Sant neste trabalho
denso, circular, hermético e enigmático.
Mais do que em qualquer
filme feito por Van Sant, este está aberto a múltiplas interpretações.
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