domingo, 20 de dezembro de 2015

Gerry

"Gerry" é um filme difícil. Na realidade, ele é assim porque seu realizador, Gus Van Sant, é um cara difícil.
Ele até mesmo deixa de ter uma postura como autor à sua maneira iconoclasta. Ao longo de sua carreira, Van Sant já fez de quase tudo: filmes independentes que flertavam com o experimental ("Drugstore Cowboy"), filmes independentes que flertavam com o comercial ("Gênio Indomável"), obras de ressaltada sensibilidade artística ("Garotos de Programa"), delírios autorais que não deram certo ("Até As Vaqueiras Ficam Tristes"), tentativas mainstream ("Encontrando Forester"), produções com singular senso de observação ("Elefante"), obras aclamadas e ousadas financiadas por grandes estúdios ("Milk-A Voz da Igualdade"), obras feitas à parte dos grandes estúdios, mas que obtiveram aclamação ("Um Sonho Sem Limites"), projetos pessoais insossos ("Inquietos") e projetos pessoais catastróficos (o remake de "Psicose").
Dentre tantas coisas, sua identidade sempre transpareceu com mais ênfase no cinema independente.
Daí vem a "trilogia da morte", da qual "Gerry" faz parte, junto com "Os Últimos Dias" e "Paranoid Park".
Por meio de sussurros, de elipses silenciosas, acompanhamos a estranha trajetória de dois amigos, ambos chamados Gerry.
São eles interpretados por Matt Damon e Casey Affleck.
Os dois vão a um deserto peregrinar, e em algum ponto descobrem-se perdidos naquele ermo de areia, onde, nos dias inclementes que se seguirão, não encontrarão nem mesmo um refúgio de sombra para o sol que lhes castiga.
Há uma subjetividade em todos os aspectos de "Gerry" –e que propicia à obra inúmeras conclusões distintas.
Tal subjetividade se encontra presente já na primeira cena, que acompanha, com uma melancolia onipresente, os dois amigos dentro do carro, sem trocar uma palavra, enquanto seguem em direção ao deserto em que se perderão. É também indicativo de um certo simbolismo –a favor do qual a narrativa de Van Sant trabalha –a cena intrigante da pedra gigante sobre a qual um dos ‘Gerrys’ vai parar após tanto andar; o fato dele mesmo não saber como foi parar lá pode ser uma das pistas deixada por Van Sant neste trabalho denso, circular, hermético e enigmático.
Mais do que em qualquer filme feito por Van Sant, este está aberto a múltiplas interpretações.

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