quarta-feira, 23 de março de 2016

Gothic

O quê o diretor inglês Ken Russel faz é puro cinema, na sua mais engajada necessidade de transgredir, e em sua exuberante convicção, sua arte não pode e não deve se prender às amarras de bom comportamento.
É dessa maneira, consciente de quem esse diretor controverso é (já vi “A Prostituta” e preparo o espírito para encarar o famigerado “Os Demônios”), que chego à este “Gothic”, certamente um dos trabalhos dele que mais gostei. Mas ele não é, de maneira nenhuma, para todos os públicos. É difícil, denso e provocativo, em níveis que um expectador de cinema normal definitivamente não está habituado.
Numa noite, em 1816, o poeta Lord Byron recepcionou o também poeta Percy Shelley, sua noiva Mary e sua cunhada Claire, além do amigo Dr. John Polidori.
Incitados pela verve niilista e desafiadora de Byron, os convidados mergulham numa jornada pavorosa e alucinógena noite adentro.
Como é habitual ao seu estilo e personalidade, o diretor Ken Russel cria um delirante espetáculo de terror ao reconstituir um episódio real, do qual teria surgido a inspiração para os clássicos literários “O Vampiro” de Polidori e, especialmente, “Frankenstein” de Mary Shelley. Os atores, seguindo uma orientação comum nos filmes de Russel, oscilam entre uma compenetração comedida e louvável e uma entrega visceral e desconcertante (e o mais particularmente empenhado nesse objetivo é Gabriel Byrne). Os momentos de pesadelo, sublinhados pela intrusiva trilha sonora, vão se intensificando numa progressão incontornavelmente perturbadora, culminando na seqüência final, de pleno delírio, intercalada pelas mais intensas rimas visuais que Russel já orquestrou.
Contra ele, pode-se dizer que as extravagâncias de Ken Russel são de gosto duvidoso (embora “Gothic”, apesar de tudo isso, continue um filme fascinante), a favor dele, pode-se dizer que é impossível ficar indiferente aos projetos que escolhe.

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