segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Bela Intrigante

Antes de qualquer coisa, todo aquele que se enveredar pelos caminhos estóicos aos quais o magnífico filme de Jacques Rivette o conduz, deve saber que é necessário ajustar seu próprio tempo interno ao andamento particular e à duração intimidadora do filme. Algo até simples de ser feito, já que o diretor compôs um deleite cinematográfico. Rivette precisava mesmo de um belo incentivo para convencer o expectador a encarar as quatro horas de “A Bela Intrigante”.
Com o perdão das cinéfilas, ele encontrou o quê procurava deixando a maravilhosa Emmanuelle Béart nua em cena durante boa parte dessa metragem.
Mas é claro que seu filme vai além disso. O comentário é mais para tirar, vamos dizer, o ‘elefante branco da sala’.
A longa e intrínseca dissertação de Rivette sobre os meandros da arte começa, sem a menor pressa (como era de se esperar) com uma curiosa encenação: Nicolas e Marianne fingem uma situação conflituosa meio celebridade/papparazi para duas turistas americanas.
Ao seu jeito muito orgânico e muito ‘novelle vague’, Rivette já dá uma dica ao público: Seus personagens trazem uma veia artística cuja máscara, quando cai, revela haver sempre outra por detrás. Nicolas e Marianne são, na realidade, namorados. Ele é apaixonado por arte, e admira particularmente o artista que irão encontrar, Edouard Frenhofer.
Ela era, até a pouco tempo, dependente dele, por razões que mais tarde serão esclarecidas, mas já dá passos grandes em direção à sua independência.
O ciclo de  afastamento, pode-se dizer, se completa quando Frenhofer enxerga em Marianne (uma perturbadoramente linda Emmanuelle Béart, diga-se) a chance de retomar uma obra que havia abandonado a dez anos atrás: La Belle Noiseuse, que pode vir a ser sua última obra-prima.
Inicialmente relutante, Marianne concorda em submeter-se às sessões contínuas em que o artista tentará captar a obra que imaginou na tela a partir dos desenhos de seu belo corpo nu.
Ao longo do processo, artista e modelo precisam vencer seus pudores e suas barreiras, o quê promove uma transformação nas dinâmicas com os outros personagens em sua órbita.
E esse processo revela-se visceral: Ambos experimentam um evoluir das mais distintas emoções. Intimidação. Irritação. Frustração. Vazio. Indignação. Resignação. Negação. Desespero. Compenetração. Exuberância. Admiração. Convicção. Graça. Transcendência.
Por meio desse estudo meticuloso e implacável, Rivette lança um olhar cirúrgico, ainda que não desprovido de carinho, aos seres que povoam o universo das artes e às desiguais dicotomias que se estabelecem (e não raro, se transformam) em meio à pessoas que convivem de perto com o ato complexo e passional da criação artística.

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