Eis um caso de refilmagem plenamente
satisfatória e justificável. E, por incrível que possa parecer, trata-se também
da refilmagem de um filme divisor de águas, desses que não raro aparecem
incluídos nas listas de grandes trabalhos do cinema.
Como tudo o mais, é preciso contextualizar
ambos os filmes, para melhor entendermos a situação da qual estou falando:
Lançado nos anos 1960, “Acossado” ou “About The Souffle”, de Jean-Luc Godard,
foi uma das obras que deram início ao movimento da Nouvelle Vague francesa, já
reunindo todas as características que definiram o estilo de seus realizadores:
a filmagem nas ruas; a captura urgente da espontaneidade de seu elenco de modo
geral; a encenação absolutamente aberta à improvisos; uma técnica de filmagem
oriunda dos documentários da época.
Na trama, conhecemos um jovem arruaceiro
francês (Jean-Paul Belmondo) enamorado de uma jovem americana (Jean Seberg) em
visita à Paris.
Ele se envolve em uma série de complicações
aparentemente banais que, mais à frente, servirão de obstáculo para a
concretização de seu amor por ela.
Com sua trama de romance juvenil mesclada a uma
ágil história de dinâmica policial, “Acossado” logo virou uma espécie de
clássico para a Nouvelle Vague, alçando Godard ao patamar de gênio entre seus
admiradores (e a percepção dessa alcunha transformou o próprio Godard, mas essa
é outra história...). Com o tempo, as coisas foram mudando: A Nouvelle Vague,
embora tenha gerado uma série de outros filmes, tornou-se coisa do passado e os
realizadores unidos por esse movimento (além de Godard, François Trufaut,
Jacques Rivette, Louis Malle e outros) construíram, cada qual, sua própria
filmografia, com trabalhos distintos.
O curioso é perceber que, embora tenha se
tornado uma espécie de modelo e ídolo para os apreciadores de cinema
pseudo-intelectual, as intenções de Godard (pelo menos, no início) nunca
deixaram de ser puramente comerciais.
Na medida em que propunha uma quebra dos
paradigmas que engessaram a produção criativa de cinema das décadas anteriores,
a Nouvelle Vague sinalizava para uma platéia jovem, com obras que, apesar de
tudo, visavam restabelecer o prazer de consumir cinema.
Prova disso, é que o próprio Godard não somente
aceitou com bastante empolgação, como também envolveu-se no processo criativo,
quando descobriu a vontade de se fazer uma refilmagem norte-americana de seu
filme inaugural.
O realizador era Jim McBride (americano que nas
décadas de 1980 e 1990 fez bons filmes e depois sumiu) e a trama –à rigor,
quase a mesma –colocava, desta vez, um americano (Richard Gere) vivendo um
romance tumultuado com uma francesinha (Valerie Kaprisky) em intercâmbio nos
EUA, numa sacada tão divertida e espirituosa quanto de fato parece.
Em comparação com o original francês, o filme
de McBride carrega muito mais nas tintas sensuais, com direito à vastas cenas
onde podemos apreciar o lindo corpo nu de Valerie, o quê era algo, no máximo,
subentendido em relação à atriz principal do primeiro filme.
Ambos são sensacionais, à sua própria maneira,
e ambos também correspondem à personalidade e à energia dos realizadores que os
conceberam.
O protagonista de Richard Gere, por exemplo, é
histriônico e irrequieto, lembrando muito mais o Jerry Lee Lewis de “A Fera do
Rock” (outro ótimo filme de Jim McBride), do que o jovem inconformado e blassé
de Belmondo, no filme de Godard.
O mais interessante, contudo, em “A Força do
Amor”, ou “Breathless”, é a gama ampla de observações e considerações acerca do
material da Nouvelle Vague francesa à qual ele proporciona: Percebemos que a
história, preservada nos dois trabalho, fala diretamente ao público jovem, com
aquele apelo intrínseco da rebeldia aliada ao romance; os jovens personagens
são passionais em seu inconformismo. Um aspecto que pode ter se perdido com
tempo, na medida em que as obras da Nouvelle Vague –“Acossado” incluso –se
tornaram “clássicos”. E isso permite observar, também algo que eu já havia
percebido em “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino (resenhado recentemente): As
premissas oriundas desse movimento francês aceitavam novas e atualizadas
roupagens, englobando elementos que já estavam lá, desde a época de Godard e de
Trufaut, mas que só com a repaginação de filmes mais recentes como esses,
podemos então notá-los.
A Nouvelle Vague, portanto,
era coisa de gênio.
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