quarta-feira, 27 de julho de 2016

Acossado / A Força do Amor

   Eis um caso de refilmagem plenamente satisfatória e justificável. E, por incrível que possa parecer, trata-se também da refilmagem de um filme divisor de águas, desses que não raro aparecem incluídos nas listas de grandes trabalhos do cinema.
   Como tudo o mais, é preciso contextualizar ambos os filmes, para melhor entendermos a situação da qual estou falando: Lançado nos anos 1960, “Acossado” ou “About The Souffle”, de Jean-Luc Godard, foi uma das obras que deram início ao movimento da Nouvelle Vague francesa, já reunindo todas as características que definiram o estilo de seus realizadores: a filmagem nas ruas; a captura urgente da espontaneidade de seu elenco de modo geral; a encenação absolutamente aberta à improvisos; uma técnica de filmagem oriunda dos documentários da época.
   Na trama, conhecemos um jovem arruaceiro francês (Jean-Paul Belmondo) enamorado de uma jovem americana (Jean Seberg) em visita à Paris.
   Ele se envolve em uma série de complicações aparentemente banais que, mais à frente, servirão de obstáculo para a concretização de seu amor por ela.
   Com sua trama de romance juvenil mesclada a uma ágil história de dinâmica policial, “Acossado” logo virou uma espécie de clássico para a Nouvelle Vague, alçando Godard ao patamar de gênio entre seus admiradores (e a percepção dessa alcunha transformou o próprio Godard, mas essa é outra história...). Com o tempo, as coisas foram mudando: A Nouvelle Vague, embora tenha gerado uma série de outros filmes, tornou-se coisa do passado e os realizadores unidos por esse movimento (além de Godard, François Trufaut, Jacques Rivette, Louis Malle e outros) construíram, cada qual, sua própria filmografia, com trabalhos distintos.
   O curioso é perceber que, embora tenha se tornado uma espécie de modelo e ídolo para os apreciadores de cinema pseudo-intelectual, as intenções de Godard (pelo menos, no início) nunca deixaram de ser puramente comerciais.
   Na medida em que propunha uma quebra dos paradigmas que engessaram a produção criativa de cinema das décadas anteriores, a Nouvelle Vague sinalizava para uma platéia jovem, com obras que, apesar de tudo, visavam restabelecer o prazer de consumir cinema.
   Prova disso, é que o próprio Godard não somente aceitou com bastante empolgação, como também envolveu-se no processo criativo, quando descobriu a vontade de se fazer uma refilmagem norte-americana de seu filme inaugural.
   O realizador era Jim McBride (americano que nas décadas de 1980 e 1990 fez bons filmes e depois sumiu) e a trama –à rigor, quase a mesma –colocava, desta vez, um americano (Richard Gere) vivendo um romance tumultuado com uma francesinha (Valerie Kaprisky) em intercâmbio nos EUA, numa sacada tão divertida e espirituosa quanto de fato parece.
  Em comparação com o original francês, o filme de McBride carrega muito mais nas tintas sensuais, com direito à vastas cenas onde podemos apreciar o lindo corpo nu de Valerie, o quê era algo, no máximo, subentendido em relação à atriz principal do primeiro filme.
   Ambos são sensacionais, à sua própria maneira, e ambos também correspondem à personalidade e à energia dos realizadores que os conceberam.
   O protagonista de Richard Gere, por exemplo, é histriônico e irrequieto, lembrando muito mais o Jerry Lee Lewis de “A Fera do Rock” (outro ótimo filme de Jim McBride), do que o jovem inconformado e blassé de Belmondo, no filme de Godard.
   O mais interessante, contudo, em “A Força do Amor”, ou “Breathless”, é a gama ampla de observações e considerações acerca do material da Nouvelle Vague francesa à qual ele proporciona: Percebemos que a história, preservada nos dois trabalho, fala diretamente ao público jovem, com aquele apelo intrínseco da rebeldia aliada ao romance; os jovens personagens são passionais em seu inconformismo. Um aspecto que pode ter se perdido com tempo, na medida em que as obras da Nouvelle Vague –“Acossado” incluso –se tornaram “clássicos”. E isso permite observar, também algo que eu já havia percebido em “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino (resenhado recentemente): As premissas oriundas desse movimento francês aceitavam novas e atualizadas roupagens, englobando elementos que já estavam lá, desde a época de Godard e de Trufaut, mas que só com a repaginação de filmes mais recentes como esses, podemos então notá-los.
   A Nouvelle Vague, portanto, era coisa de gênio.

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