terça-feira, 2 de agosto de 2016

Apocalypto

Em 1995, Mel Gibson havia provado que era um grande diretor, a despeito do olhar condescendente de Hollywood para um ‘astro que quer virar cineasta’: seu “Coração Valente” não apenas exibia uma segurança extraordinária de parte de seu realizador atrás das câmeras (mais assombrosa ainda por se tratar de um filme de escopo épico repleto de cenas coletivas de batalha), como também fez uma campanha vencedora no Oscar daquele ano.
Em 2004, foi a vez do Gibson cineasta dar um passo ainda mais ambicioso em termos artísticos e se arriscar numa das mais admiráveis e possantes versões do calvário bíblico: O memorável “Paixão de Cristo”, cuja busca por uma recriação mais fiel possível dos fatos registrados na Bíblia levou o elenco a falar em Aramaico, e a reconstituição primorosa a confrontar o público com um crucificação encenada com ultraviolência.
Dois anos depois, Mel Gibson deu continuidade à esse notável e inesperado fôlego autoral e realizou o primeiro (e até então único!) épico ambientado na civilização maia.
Fascinante como só a obra de um mestre no exercício de sua arte consegue fazer, este “Apocalypto” tem todas as decisões arrojadas que, em apenas três filmes, já definem Mel Gibson como cineasta: A reconstituição plena de minúcia e aplicação que, em última instância, determina o padrão de detalhamento com o qual toda a história será tratada.
O elenco de “Apocalypto” é desconhecido, e por isso mesmo, seus personagens demoram poucos segundos para parecer terem saído daquele mundo desigual que o filme retrata. Seu elenco declama as falas no dialeto Yucatan usado realmente por aquele povo. E esses, como eu falei, ali em cima, são apenas os pequenos detalhes.
Porque, quando nos atemos ao filme como um todo maior, percebemos que “Apocalypto” é muito, muito mais.
Às vésperas da extinção do império maia, o jovem Jaguar Pow encara um desafio espetacular. Sua mulher grávida e seu filho foram deixados num esconderijo protegidos da invasão que assolou sua tribo. Homens armados de facas, lanças e claves atacaram durante a noite e levam todos os que podem andar. O objetivo é usá-los para sacrifícios humanos e aplacar a ira dos deuses segundo regem os sacerdotes. A sociedade maia sofre terrivelmente os efeitos de uma falta de água, de comida e uma epidemia, simultaneamente. Mas nada disso importa para Jaguar Pow, ele quer voltar para salvar sua família antes que chova e a água mate-os afogados no buraco em que se refugiaram.
Sua corrida desesperada de volta para seu lar é simplesmente épica.

Não interessa a Mel Gibson quaisquer posturas de ordem antropológica ou mesmo filosófica (que, por ventura, surgiram em seus outros trabalhos, mais como necessidades impostas pelo critério da história), tal e qual fariam outros cineastas: Sua câmera perscruta a jornada humana como ela é, e nenhum tipo de expectador deixa de compreender muito bem a desesperada jornada que ele parece tão interessado em contar.

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