Em 1995, Mel Gibson havia provado que era um
grande diretor, a despeito do olhar condescendente de Hollywood para um ‘astro
que quer virar cineasta’: seu “Coração Valente” não apenas exibia uma segurança
extraordinária de parte de seu realizador atrás das câmeras (mais assombrosa
ainda por se tratar de um filme de escopo épico repleto de cenas coletivas de
batalha), como também fez uma campanha vencedora no Oscar daquele ano.
Em 2004, foi a vez do Gibson cineasta dar um
passo ainda mais ambicioso em termos artísticos e se arriscar numa das mais
admiráveis e possantes versões do calvário bíblico: O memorável “Paixão de
Cristo”, cuja busca por uma recriação mais fiel possível dos fatos registrados
na Bíblia levou o elenco a falar em Aramaico, e a reconstituição primorosa a
confrontar o público com um crucificação encenada com ultraviolência.
Dois anos depois, Mel Gibson deu continuidade à
esse notável e inesperado fôlego autoral e realizou o primeiro (e até então
único!) épico ambientado na civilização maia.
Fascinante como só a obra de um mestre no
exercício de sua arte consegue fazer, este “Apocalypto” tem todas as decisões
arrojadas que, em apenas três filmes, já definem Mel Gibson como cineasta: A
reconstituição plena de minúcia e aplicação que, em última instância, determina
o padrão de detalhamento com o qual toda a história será tratada.
O elenco de “Apocalypto” é desconhecido, e por
isso mesmo, seus personagens demoram poucos segundos para parecer terem saído
daquele mundo desigual que o filme retrata. Seu elenco declama as falas no
dialeto Yucatan usado realmente por aquele povo. E esses, como eu falei, ali em
cima, são apenas os pequenos detalhes.
Porque, quando nos atemos ao filme como um todo
maior, percebemos que “Apocalypto” é muito, muito mais.
Às vésperas da extinção do império maia, o
jovem Jaguar Pow encara um desafio espetacular. Sua mulher grávida e seu filho
foram deixados num esconderijo protegidos da invasão que assolou sua tribo.
Homens armados de facas, lanças e claves atacaram durante a noite e levam todos
os que podem andar. O objetivo é usá-los para sacrifícios humanos e aplacar a
ira dos deuses segundo regem os sacerdotes. A sociedade maia sofre
terrivelmente os efeitos de uma falta de água, de comida e uma epidemia,
simultaneamente. Mas nada disso importa para Jaguar Pow, ele quer voltar para
salvar sua família antes que chova e a água mate-os afogados no buraco em que
se refugiaram.
Sua corrida desesperada de volta para seu lar é
simplesmente épica.
Não interessa a Mel Gibson quaisquer posturas
de ordem antropológica ou mesmo filosófica (que, por ventura, surgiram em seus
outros trabalhos, mais como necessidades impostas pelo critério da história),
tal e qual fariam outros cineastas: Sua câmera perscruta a jornada humana como
ela é, e nenhum tipo de expectador deixa de compreender muito bem a desesperada
jornada que ele parece tão interessado em contar.
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