quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Cosmópolis

 As obras de David Cronenberg estão sempre à mercê da incompreensão, e “Cosmópolis”, após uma seqüência brilhante de filmes de uma vibração mais clássica como “Marcas da Violência”, “Senhores do Crime” e “Um Método Perigoso”, coloca-se particularmente sob esse risco uma vez que é um retorno quase radical (e provavelmente pensado) àquela antiga postura na qual Cronenberg adotava o cinema como um laboratório formal e reflexivo por onde ele moldava sua visão intransigente, peculiar e desconcertante do ser humano.
Neste filme absolutamente de difícil acessibilidade, ele promove uma sondagem quase antropológica das pulsões sociais e individuais que norteiam as relações, assim como das ideologias contraditórias, conflitantes e beligerantes que orientam os atritos decorridos, tudo isso partindo de uma encenação existencialmente restrita (a cabine de uma limusine de luxo) e de uma premissa tão inusitada, absurda até, quanto potencialmente possível.
Eric Parker (Robert Pattinson, valendo-se de um projeto absolutamente audaz para conseguir alguma relevância na carreira) é um jovem, egocêntrico e cosmopolita milionário de Nova York. À bordo de sua limusine praticamente blindada, ele roda pelas ruas da cidade atrás de um barbeiro com a singela intenção de cortar o cabelo. Tudo é complicado pelo fato de a cidade receber a visita do presidente, o quê significa ruas interditadas, engarrafamentos, e avisos cada vez mais preocupantes de atentados terroristas.
Enquanto isso, ele recebe sucessivas "visitas" dentro da limusine, conhecidos (entre eles, rostos famosos que só um diretor impar como Cronenberg é capaz de atrair para uma obra assim, como Juliette Binoche, Jay Baruchel e Samantha Morton), colegas de trabalho, mulheres, a esposa gélida e indiferente (Sarah Gadon, tão linda quanto assustadora).
Com todos eles, Eric trava diálogos por vezes incompreensíveis, ora refletindo sobre aspectos banais ou redundantes da vida, ora expondo sua aflitiva inércia quanto à existência. Essas intervenções são –como tudo o mais –meros importunes na harmonia de seu micro-cosmos, dentro do qual ele se vê protegido em sua vaidade.

Cronenberg conduz essa difícil e cerebral dissertação sobre a modernidade ressaltando a ironia em ter o astro de "Crepúsculo" como protagonista de um estudo contundente (e inacessível para as platéias que foram assisti-lo em seu filme de vampiros) sobre a amargura e a solidão inerentes ao fato de se olhar para o próprio umbigo.

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