As obras de David Cronenberg estão sempre à
mercê da incompreensão, e “Cosmópolis”, após uma seqüência brilhante de filmes
de uma vibração mais clássica como “Marcas da Violência”, “Senhores do Crime” e
“Um Método Perigoso”, coloca-se particularmente sob esse risco uma vez que é um
retorno quase radical (e provavelmente pensado) àquela antiga postura na qual
Cronenberg adotava o cinema como um laboratório formal e reflexivo por onde ele
moldava sua visão intransigente, peculiar e desconcertante do ser humano.
Cronenberg conduz essa
difícil e cerebral dissertação sobre a modernidade ressaltando a ironia em ter
o astro de "Crepúsculo" como protagonista de um estudo contundente (e
inacessível para as platéias que foram assisti-lo em seu filme de vampiros)
sobre a amargura e a solidão inerentes ao fato de se olhar para o próprio
umbigo.
Neste filme absolutamente de difícil
acessibilidade, ele promove uma sondagem quase antropológica das pulsões
sociais e individuais que norteiam as relações, assim como das ideologias
contraditórias, conflitantes e beligerantes que orientam os atritos decorridos,
tudo isso partindo de uma encenação existencialmente restrita (a cabine de uma
limusine de luxo) e de uma premissa tão inusitada, absurda até, quanto
potencialmente possível.
Eric Parker (Robert Pattinson, valendo-se de um
projeto absolutamente audaz para conseguir alguma relevância na carreira) é um
jovem, egocêntrico e cosmopolita milionário de Nova York. À bordo de sua
limusine praticamente blindada, ele roda pelas ruas da cidade atrás de um
barbeiro com a singela intenção de cortar o cabelo. Tudo é complicado pelo fato
de a cidade receber a visita do presidente, o quê significa ruas interditadas,
engarrafamentos, e avisos cada vez mais preocupantes de atentados terroristas.
Enquanto isso, ele recebe sucessivas
"visitas" dentro da limusine, conhecidos (entre eles, rostos famosos
que só um diretor impar como Cronenberg é capaz de atrair para uma obra assim,
como Juliette Binoche, Jay Baruchel e Samantha Morton), colegas de trabalho,
mulheres, a esposa gélida e indiferente (Sarah Gadon, tão linda quanto
assustadora).
Com todos eles, Eric trava diálogos por vezes
incompreensíveis, ora refletindo sobre aspectos banais ou redundantes da vida,
ora expondo sua aflitiva inércia quanto à existência. Essas intervenções são
–como tudo o mais –meros importunes na harmonia de seu micro-cosmos, dentro do
qual ele se vê protegido em sua vaidade.
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