O sonho da Nova Hollywood, no qual diretores
essencialmente autorais adquiriram liberdade para moldar projetos comerciais a
seu bel-prazer, durou até o início da década de 1980, quando Michael Cimino
expressou sua intenção de realizar um poderoso faroeste revisionista com
pretensões não só de rever paradigmas do próprio gênero, como também de
firmar-se como uma obra de alcance técnico e logístico sem igual.
Sobre muitos aspectos, Cimino alcançou tal
objetivo ainda que a repercussão negativa atroz de todo o fracasso comercial
decorrido de sua iniciativa tenha tirado as atenções da qualidade do filme.
Mas, vamos analisar essa questão com mais
calma.
A partir de um roteiro de sua própria autoria
(forma como estava habituado a trabalhar, vide o oscarizado “O Franco
Atirador”), Cimino obteve um orçamento volumoso da United Artists para tocar um
projeto que prometia ser um dos grandes filmes do cinema. Mas, seu orçamento
revelou-se insuficiente a medida que as gravações –repletas de contratempos e
movidas com irrestrita personalidade por Cimino –foram avançando: Cenários
caríssimos eram construídos e reconstruídos; cenas eram rodadas exaustivamente
pela equipe técnica até que seu exigente diretor se desse por satisfeito; o
clima oscilante do estado do Wyoming, onde foram feitas as gravações
dificultava a já difícil tarefa de realizar o filme; e o prazo para a entrega
do filme ia sendo esticado a medida que as complicações se somavam.
As filmagens só não foram encerradas porque
Cimino e seu material gozavam de assombrosa confiança da parte de seus
produtores e investidores –fruto justamente da mentalidade produtiva da Nova
Hollywood que predominava da época.
Quando finalmente foi lançado, “O Portal do
Paraíso” pegou todos de surpresa revelando-se um frustrante fracasso de
bilheteria: O público não parecia disposto a comprar uma obra que voltava um
olhar amargo para os desbravadores do Velho Oeste enquanto ratificava toda a
dor e os revezes opressores à que foram expostos, ainda que isso se desse por
meio de um trabalho de inquestionável brilhantismo cinematográfico.
1890. Tornado xerife de um vilarejo composto
por imigrantes, o outrora fidalgo James Averill (Kris Kristoferson) busca
proteger os habitantes desamparados de uma inevitável chacina quando uma lista
de morte incluindo quase todos eles vai parar nas mãos de um grupo de assassinos
de aluguel a mando de ricos proprietários de gado, ao mesmo tempo em que se
envolve num triângulo amoroso com a prostituta Ella (Isabelle Huppert, linda) e
o matador e arrivista Nathan Champion (Christopher Walken).
Tentando contornar a repercussão do problema,
os produtores infligiram cortes que diminuíram a metragem do filme
(supostamente para torná-lo mais viável comercialmente já que suas três horas
de duração reduziam o número de exibições nos cinemas por dia) e tornaram o
roteiro épico de Cimino, carregado de audaciosas considerações políticas, uma
sucessão de incoerências.
O resultado levou à falência da United Artists
(que não arrecadou nem uma fração do orçamento gigantesco gasto com o filme) e
sua compra pela MGM.
Em seu filme seguinte (o espetacular “O Ano do
Dragão”), Cimino já não tinha a mesma liberdade: O projeto foi conduzido com
mão-de-ferro e atenção canina da parte de seu produtor, Dino De Laurentis, para
com os possíveis excessos de seu realizador, numa prática que terminou encerrando
o movimento da Nova Hollywood e definiu o sistema com que os estúdios lidariam
com seus autores a partir dali.
O quê sobra em “O Portal do
Paraíso” hoje, quando toda a comoção em torno de suas catastróficas
conseqüências já foram devidamente digeridas, é um trabalho impressionante,
dono de um estilo visual e narrativo que somente um mestre indomado e
incorrigível como Cimino se atreveria a materializar na tela.
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