O branco da neve predomina em cena, já
indicando opressivamente a geografia gélida do lugar, a Rússia de meados do
Século XIX. Embora inóspito, o ambiente suscita imediato deslumbre graças à
habilidade da direção de fotografia e,
sobretudo, a atmosfera criada pela embriagante trilha sonora de Maurice Jarre,
conhecida mundialmente como “Tema de Lara”. Logo, sabemos então de qual filme
se trata este. E que nenhum outro podia ser senão o mais romântico dentre todos
os irretocáveis épicos concebidos pelo grande David Lean.
Trata-se do inesquecível e, por vezes,
inigualável “Doutor Jivago”.
Dono de uma capacidade ímpar para conduzir
narrativas de orientação clássica, Lean nos guia pelos altos e baixos das
emoções vividas por seu protagonista: Orfão, o médico e poeta russo Yuri
Zhivago (e não Jivago, como no título nacional), interpretado com excelência
por Omar Sharif, casa-se com a filha do casal que o educou, a aristocrata Tonya
Gromeko (Geraldine Chaplin), mas realmente se apaixona e se envolve mais tarde
com a enfermeira Lara (a inebriante Julie Christie). Ela, ex-esposa de um barão
da classe elitista russa (Rod Steiger), casa-se quase que por conveniência com
um nome importante da Resistência (Tom Courtenay) durante a Revolta dos Bolcheviques.
Durante os anos que se transcorrem então, Lara
e Zhivago jamais param de sonhar em se reencontrar, embora muitos dos mais
importantes acontecimentos históricos europeus, entre eles a Primeira Guerra
Mundial e a Revolução Russa, se sucedam para interpor-se entre eles e a
consumação de seu amor.
A história (transposta com fina excelência do
livro de Boris Pasternak) é relatada à Yevgraf Zhivago, um oficial russo (o
grande Alec Guinness, como Sharif, uma presença constante nas obras-primas de
Lean) e também meio-irmão de Yuri Zhivago, por uma jovem enfermeira que, no fim
das contas, pode ser a filha de Lara e Zhivago, pela qual Yevgraf tem buscado.
Como nos grandes trabalhos de Lean em
particular, e as grandes obras do cinema em geral, o mundo, em “Doutor Jivago”
e suas transformações sociais e políticos nos mais práticos níveis serve muitas
vezes de empecilho à transcendência espiritual e sentimental do ser humano,
cujo sacrifício de valores e ideais muito pessoais será o preço que ele pagará
em prol das mudanças que será capaz de infligir.
Nada mais, nada menos que
uma aula de cinema.
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