sábado, 19 de novembro de 2016

Fale Com Ela

A paixão é tão predominante nos temas do espanhol Pedro Almodóvar quanto a cor vermelha o é em sua encenação –e, provavelmente, pelas mesmas razões.
Em sua postura autoral, Almodóvar logrou levar ao amplamente discorrido assunto do romance a sua própria percepção mundana do sentimento, e por meio desse caminho tateou uma busca por seu próprio estilo que, como sabemos, revelou-se espalhafatoso e passional desde o inicio.
Se isso chocava as platéias lá nos anos 1980, quando o espanhol ainda destilava uma verve muito mais despudorada e afetada em obras como “Labirinto de Paixões” ou “Ata-Me”, o tempo tratou de trazer-lhe mais serenidade, assim como um certo refinamento cinematográfico.
É com essa bagagem que Almodóvar chegou então à “Fale Com Ela”, de 2002, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original –um prêmio que, de uma certa maneira, acaba sendo mais significativo para sua carreira do que o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro conquistado por “Tudo Sobre Minha Mãe”, em 2000.
Isso porque algo mudou em Almodóvar, e podemos percebê-lo através da delicada e inusitada trama deste filme algo surpreendente: Pesquisador argentino (o espetacular Dario Grandinetti), enamorado de uma toureira espanhola (Rosário Flores), testemunha um acidente grave envolvendo sua amada nas arenas. A jovem entra em coma, e no hospital para o qual é enviada, ele acaba conhecendo um jovem enfermeiro (Javier Câmara) apaixonado por uma jovem e bela bailarina (Leonor Watling) também em estado comatoso.
Eis uma das primeiras sacadas fenomenais do filme: Os dois relacionamentos, que em princípio eram baseados na palavra, e orientados pela personalidade das mulheres –como, aliás, também o eram, antes deste trabalho, as narrativas de Almodóvar –agora, se baseiam no silêncio e na voz masculina.
A história vai e vem no tempo esclarecendo os meandros dos dois relacionamentos e reservando algumas surpresas ao final. Almodovar mais uma vez desfila seu estilo peculiar na forma debochada com que expõe as relações humanas, contestando ações que, sob o viés de cineastas mais convencionais, surgiriam como atitudes reprováveis, mas que aqui ganham justificativas sentimentais e até mesmo primorosas metáforas metalinguísticas –o pequeno curta-metragem mudo mostrado dentro da narrativa, “O Amante Minguante”, estrelado pela maravilhosa Paz Vega, é um jóia de preciosidade.

Em meio à impetuosa e passional filmografia de Almodovar, este é um de seus trabalhos mais tocantes.

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