O quê Zack Snyder faz com “300” –e que, com
justiça, Frank Miller fez com sua graphic novel, a fonte explícita para todo o
material do filme –é, na visão rabugenta de uns, a conversão de um episódio
fundamental e histórico, a Batalha das Termópilas, num arrojado desenho animado
que, ainda que simule o realismo em sua computação gráfica que “Sin City” não
se importou em ostentar (e que, deveras, conte com atores de carne e osso),
abraça a ultraviolência, o exagero, e nesse processo, o politicamente
incorreto.
Os detratores não estão errados em sua
observação. Eles estão errados, na realidade, em argumentar que essas decisões
tornam o filme ruim, quando na verdade é um de seus inúmeros detalhes
cativantes.
Miller (nos quadrinhos) e Snyder (em sua versão
cinematográfica) constroem um objeto próprio sobre algo que antes poderia ser uma
observação passageira, genérica e banal sobre o episódio da Antiguidade relatado
por Heródoto –passageira, genérica e banal como é a produção anterior a
retratar o episódio das Termópilas, datada de 1962 e assolada por todas as
características formulaicas e industriais que regiam os épicos romanos do mesmo
período –é inclusive com isso mesmo que ele se parece: Com um mero épico romano
sem personalidade.
Contudo, personalidade é uma característica que
não falta ao “300” de Zack Snyder, cuja construção narrativa e visual tem plena
consciência da orientação cult que quer tomar; não somente violência gráfica
aos borbotões é sinalizada com exclusividade para a fatia adulta da platéia,
como seqüências generosas de nudez (feminina, por parte da rainha Gorgo, vivida
pela linda e carismática Lena Headley; e masculina, por parte do protagonista e
de seus subordinados que durante o filme inteiro não usam mais do que tangas!)
fazem parte do cardápio.
Quando a Grécia antiga é ameaçada pela ânsia de
conquista avassaladora do imperador persa Xerxes (o brasileiro Rodrigo Santoro,
num de seus mais sensacionais trabalhos nos EUA), que se considera um deus, a
única resistência parece ser um pequeno exército de trezentos homens, composto
pela guarda pessoal do rei Leônidas (Gerard Butler, um protagonista vibrante),
de Esparta, o reino mais militarizado e impiedoso de toda a Grécia.
A tática dos espartanos é simples: Obrigar os
exércitos persas a usar a afunilada entrada dos desfiladeiros das Termópilas
para ter acesso à Grécia, e lá valer-se da geografia apertada que dará vantagem
às suas bem preparadas técnicas de combates e minimizará sua inferioridade
numérica.
Lançado cerca de um ano depois do divertido e
quase experimental “Sin City-A Cidade do Pecado”, de Robert Rodrigues, e com
ele dividindo uma série de similaridades (ambos adaptados de obras de Frank
Miller; técnica semelhante de filmagem com o elenco interpretando sob um fundo
verde no qual o cenário é reconstituído por computador a partir de uma
fidelidade canina às imagens das HQs e sua paleta de cores; e muita violência
caricatural –o quê parece ser bastante do agrado de Miller), “300” trouxe
também um imediato aprimoramento em relação à obra de Rodrigues: Ostentando uma
direção mais madura, Snyder criou cenários que, ainda que digitais, eram visualmente
convincentes, tornando nebulosa a impressão cartunesca da encenação (se “Sin
City” já era uma auto-reflexão pulsante da relação entre quadrinhos e suas
adaptações cinematográficas, “300” é um passo além, com Snyder criando
elementos ainda mais indissociavelmente cinematográficos para essa
transposição).
Ele aceita totalmente a
vulgaridade pop desse material (mais do isso, ele a abraça!) e com ela molda a
mais eufórica e rejuvenescedora das experiências sensoriais.
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