quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

300

O quê Zack Snyder faz com “300” –e que, com justiça, Frank Miller fez com sua graphic novel, a fonte explícita para todo o material do filme –é, na visão rabugenta de uns, a conversão de um episódio fundamental e histórico, a Batalha das Termópilas, num arrojado desenho animado que, ainda que simule o realismo em sua computação gráfica que “Sin City” não se importou em ostentar (e que, deveras, conte com atores de carne e osso), abraça a ultraviolência, o exagero, e nesse processo, o politicamente incorreto.
Os detratores não estão errados em sua observação. Eles estão errados, na realidade, em argumentar que essas decisões tornam o filme ruim, quando na verdade é um de seus inúmeros detalhes cativantes.
Miller (nos quadrinhos) e Snyder (em sua versão cinematográfica) constroem um objeto próprio sobre algo que antes poderia ser uma observação passageira, genérica e banal sobre o episódio da Antiguidade relatado por Heródoto –passageira, genérica e banal como é a produção anterior a retratar o episódio das Termópilas, datada de 1962 e assolada por todas as características formulaicas e industriais que regiam os épicos romanos do mesmo período –é inclusive com isso mesmo que ele se parece: Com um mero épico romano sem personalidade.
Contudo, personalidade é uma característica que não falta ao “300” de Zack Snyder, cuja construção narrativa e visual tem plena consciência da orientação cult que quer tomar; não somente violência gráfica aos borbotões é sinalizada com exclusividade para a fatia adulta da platéia, como seqüências generosas de nudez (feminina, por parte da rainha Gorgo, vivida pela linda e carismática Lena Headley; e masculina, por parte do protagonista e de seus subordinados que durante o filme inteiro não usam mais do que tangas!) fazem parte do cardápio.
Quando a Grécia antiga é ameaçada pela ânsia de conquista avassaladora do imperador persa Xerxes (o brasileiro Rodrigo Santoro, num de seus mais sensacionais trabalhos nos EUA), que se considera um deus, a única resistência parece ser um pequeno exército de trezentos homens, composto pela guarda pessoal do rei Leônidas (Gerard Butler, um protagonista vibrante), de Esparta, o reino mais militarizado e impiedoso de toda a Grécia.
A tática dos espartanos é simples: Obrigar os exércitos persas a usar a afunilada entrada dos desfiladeiros das Termópilas para ter acesso à Grécia, e lá valer-se da geografia apertada que dará vantagem às suas bem preparadas técnicas de combates e minimizará sua inferioridade numérica.
Lançado cerca de um ano depois do divertido e quase experimental “Sin City-A Cidade do Pecado”, de Robert Rodrigues, e com ele dividindo uma série de similaridades (ambos adaptados de obras de Frank Miller; técnica semelhante de filmagem com o elenco interpretando sob um fundo verde no qual o cenário é reconstituído por computador a partir de uma fidelidade canina às imagens das HQs e sua paleta de cores; e muita violência caricatural –o quê parece ser bastante do agrado de Miller), “300” trouxe também um imediato aprimoramento em relação à obra de Rodrigues: Ostentando uma direção mais madura, Snyder criou cenários que, ainda que digitais, eram visualmente convincentes, tornando nebulosa a impressão cartunesca da encenação (se “Sin City” já era uma auto-reflexão pulsante da relação entre quadrinhos e suas adaptações cinematográficas, “300” é um passo além, com Snyder criando elementos ainda mais indissociavelmente cinematográficos para essa transposição).
Ele aceita totalmente a vulgaridade pop desse material (mais do isso, ele a abraça!) e com ela molda a mais eufórica e rejuvenescedora das experiências sensoriais.

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