terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Regras da Atração

As tentativas de tradução das obras do escritor Brett Easton Ellis para o cinema até por volta de 2003 não foram felizes em capturar aquilo que de fato as fazia singular: A verve e a narrativa audaz, plena de cinismo e conhecimento prático do mundo pernicioso de seus personagens.
Esses filmes (“Abaixo de Zero” e “Psicopata Americano”) contentavam-se em transpor sem maiores arroubos de estilo as tramas que o texto discorria, ignorando o fato de que era a linguagem que fazia o seu diferencial.
Isso mudou com “Regras da Atração”.
Cheio de energia e inconformismo do ponto de vista narrativo, esta obra conta sua história por meio de uma sucessão de cenas magníficas, atrevidas, inusitadas e brilhantes –minha preferida, apesar da excelência de todas as outras, é o momento em que o casal protagonista (talvez no único momento em que se encontram no filme) fica em frente um do outro, com a tela dividida no close de cada um, e então as câmeras fazem um movimento sincronizado e se fundem, num efeito sensacional!
Mas, vamos à trama propriamente dita: Anos 1980. O jovem e niilista Sean Bateman (James Van Der Beek, num papel com ousadia o suficiente para afastá-lo da imagem de ídolo adolescente da série “Dawson’s Creek”) é o fornecedor de drogas do campus. Cético e cínico quanto a tudo, ele deixa-se afetar pelas cartas de amor que recebe de uma admiradora anônima que, ele suspeita, ser a levemente desajustada Lauren (Shannyn Sossamon, luminosa), esta, por sua vez, espera seu suposto namorado Victor (Kip Pardue), voltar da Europa.
Nesse meio tempo sua assanhada colega de quarto (Jessica Biel, absurdamente linda e fútil) pode jogar charme para cima de seu pretendente, bem como o atirado homossexual Paul (Ian Somerhalder, numa interpretação audaciosa).
Subversivo este filme acompanha a vida diária dos "habitantes" de uma universidade norte-americana com sua cronologia embaralhada, dividida entre as festas realizadas ao longo das semanas pelos alunos, que recebem deles os nomes mais estranhos. A cada sequência surge um novo narrador apresentando um novo ponto de vista de desenlaces que vão do cômico ao trágico. O resultado de tal atrevimento narrativo é devastador.
Acumulando com perícia as funções de diretor e roteirista, Roger Avery (que dividiu o Oscar de Melhor Roteiro Original com Quentin Tarantino por “Pulp Fiction”) compôs uma obra de intenções ambíguas, que inclusive permanecem ambíguas na mente do expectador muito tempo depois do desconcertante e imprevisto final –afinal, aquelas tragédias ocorridas com o trio principal, mostradas no início do filme pouco antes do flashback, aconteceram de fato?

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