As tentativas de tradução das obras do escritor
Brett Easton Ellis para o cinema até por volta de 2003 não foram felizes em
capturar aquilo que de fato as fazia singular: A verve e a narrativa audaz,
plena de cinismo e conhecimento prático do mundo pernicioso de seus
personagens.
Esses filmes (“Abaixo de Zero” e “Psicopata
Americano”) contentavam-se em transpor sem maiores arroubos de estilo as tramas
que o texto discorria, ignorando o fato de que era a linguagem que fazia o seu
diferencial.
Isso mudou com “Regras da Atração”.
Cheio de energia e inconformismo do ponto de
vista narrativo, esta obra conta sua história por meio de uma sucessão de cenas
magníficas, atrevidas, inusitadas e brilhantes –minha preferida, apesar da
excelência de todas as outras, é o momento em que o casal protagonista (talvez
no único momento em que se encontram no filme) fica em frente um do outro, com
a tela dividida no close de cada um, e então as câmeras fazem um movimento
sincronizado e se fundem, num efeito sensacional!
Mas, vamos à trama propriamente dita: Anos
1980. O jovem e niilista Sean Bateman (James Van Der Beek, num papel com
ousadia o suficiente para afastá-lo da imagem de ídolo adolescente da série
“Dawson’s Creek”) é o fornecedor de drogas do campus. Cético e cínico quanto a
tudo, ele deixa-se afetar pelas cartas de amor que recebe de uma admiradora
anônima que, ele suspeita, ser a levemente desajustada Lauren (Shannyn
Sossamon, luminosa), esta, por sua vez, espera seu suposto namorado Victor (Kip
Pardue), voltar da Europa.
Nesse meio tempo sua assanhada colega de quarto
(Jessica Biel, absurdamente linda e fútil) pode jogar charme para cima de seu
pretendente, bem como o atirado homossexual Paul (Ian Somerhalder, numa
interpretação audaciosa).
Subversivo este filme acompanha a vida diária
dos "habitantes" de uma universidade norte-americana com sua
cronologia embaralhada, dividida entre as festas realizadas ao longo das
semanas pelos alunos, que recebem deles os nomes mais estranhos. A cada
sequência surge um novo narrador apresentando um novo ponto de vista de
desenlaces que vão do cômico ao trágico. O resultado de tal atrevimento
narrativo é devastador.
Acumulando com perícia as
funções de diretor e roteirista, Roger Avery (que dividiu o Oscar de Melhor
Roteiro Original com Quentin Tarantino por “Pulp Fiction”) compôs uma obra de
intenções ambíguas, que inclusive permanecem ambíguas na mente do expectador
muito tempo depois do desconcertante e imprevisto final –afinal, aquelas
tragédias ocorridas com o trio principal, mostradas no início do filme pouco
antes do flashback, aconteceram de fato?
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