Aqueles que testemunharam a sucessão de
absurdos concebidos por Takashi Miike na cena final de “Morrer Ou Viver” devem
ter ficado se perguntando o que ele aprontaria para sua continuação, de quais
formas ele daria continuidade à uma trama que se encerrava do jeito que aquela
se encerrou: Contradizendo, de maneira desconcertante, muito da abordagem
realista que o filme tinha adotado.
A verdade é que o segundo filme mantém a
inesperada miscelânea do realismo cru que define muitos trabalhos de Miike com
o absurdo fantástico que vez ou outra ele se permite extravasar, embora, no que
diz respeito à sua trama, não continue coisa alguma.
Miike reinicia uma nova premissa enfatizando um
estilo bastante similar, porém voltado à personagens completamente distintos, e
certamente, numa vibração mais intimista do que o explosivo filme original.
Os mesmos atores (Sho Aikawa, Riki Takeuchi e
Susumu Terajima) reaparecem aqui, em novos personagens: Mizuki (Riki Takeuchi,
numa primorosa atuação bem distinta do trabalho no filme anterior) e Shu (Sho
Aikawa, não tão bom quanto o companheiro, repetindo inclusive alguns trejeitos
de seu outro personagem) são amigos de infância cujas circunstâncias os
tornaram assassinos de aluguel contratados pela Yakuza na vida adulta. Tendo
ambos se envolvido num brutal assassinato que dominou as manchetes, os dois
acabam voltando para a ilha onde cresceram, e reencontram outro companheiro (Susumu
Terajima).
Mas, o que os dois fugitivos não imaginavam, é
a súbita crise de consciência que lhes acomete depois que tomam contato com
suas reminiscências de infância: Isso os leva a uma missão suicida, na qual obtêm
dinheiro dos yakuza à base de muito tiro, enquanto desvencilham-se eventualmente
dos homens que estavam em seu encalço.
O dinheiro roubado servirá para melhorar a vida
dos órfãos que, como eles, vivem naquela ilha e –por razões nunca esclarecidas –toda
a vez que põem em prática seu plano de “roubar dos ricos para dar aos pobres”
(plano este que não deixa de envolver o nível habitual de violência extrema das
obras de Miike), os dois adquirem asas de anjo (!) que surgem em suas costas.
Um comentário irônico (para não dizer sarcástico)
sobre as dualidades do ser humano? Um conto de fadas deturpado –a exemplo do
eufemismo provocado pela encenação da peça infantil que ocorre no filme, e que
pode ser a senha para seu entendimento? Ou um filme de yakuza no qual o diretor
Miike se permite (como no primeiro filme) toda sorte de reviravoltas
inesperadas, com o intuito imprevisível de desconcertar o expectador?
Em se tratando de Takashi
Miike, o seu filme (bem como toda a trilogia à qual ele pertence) pode ser
todas essas coisas juntas.
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