sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Tommy

Vindo de um amplo esforço que Ken Russell moveu em sua carreira a fim de conciliar, num estilo vibrante, vigoroso e desafiador, o cinema e a música (e cujos exemplares ainda não dei a devida atenção), a adaptação da ópera-rock da banda inglesaThe Who é um dos filmes que define a reputação infame do extravagante diretor Russell, levando essa percepção a se sobrepor à excelência que ele demonstrou em outros trabalhos que ficaram menos conhecidos.
Na obra, conduzida de forma a arrebatar os sentidos do público –e, não raro, deixar nele uma sensação de desconforto e ar rarefeito –Russell leva suas câmeras a acompanhar a singular trajetória do desafortunado garoto Tommy (Roger Daltrey, membro do próprio grupo, cuja falta de experiência como ator serve aos propósitos de Russell) vítima de um trauma –ele flagra a própria mãe (Ann-Margaret) e seu amante (Oliver Reed) assassinando e ocultando o corpo de seu pai (!) e sofre severa recriminação por isso –que o deixa cego, surdo e mudo (!!). A partir daí, a vida quase vegetal de Tommy (que chega a sofrer abuso) contada ao som das irônicas, inquisitivas e constantemente impiedosas canções do The Who toma um rumo inesperado quando ele se torna um improvável campeão de pinball (!!!), derrotando o indignado campeão do mundo, o Mago do Pinball, vivido por Elton John –uma das inúmeras participações especiais de astros da músicas que o filme oferece.
Sua família se torna rica às custas dessa habilidade de Tommy, até que ele consegue, num momento de transcendência, se curar –enquanto que, paralelamente, os excessos da vida milionária proporcionada pelo próprio Tommy, levam sua mãe e seu padrasto à um colapso.
Adulto, Tommy vira então o líder de um culto messiânico e, por algum tempo, mobiliza uma legião de seguidores, até perder tudo e ser abandonado.
Ao som agressivo do rock dos anos 1970, este filme, não obstante ao fato de ser repudiado por algumas platéias que se ressentiram de sua natureza pungente, tornou-se cultuado por fãs que reconheceram a imensa propriedade com que o diretor Ken Russell adaptou o célebre álbum do The Who, preservando-lhe a verve fortemente crítica, a acidez, os violentos e dilacerantes arroubos existenciais, ainda que por vezes continue sendo uma obra desgastante, desconexa e de difícil acessibilidade por parte daqueles expectadores incapazes de abraçar as extravagâncias estéticas, gestuais e sensoriais de seu realizador.

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