Dos mais poéticos e vibrantes trabalhos vindos
do cinema do Tadjiquistão na década de 1990, este filme guarda grandes
semelhanças com as obras do tcheco Emir Kusturica, sobretudo o maravilhoso “Vida
Cigana” –é um olhar muito similar em poesia, humor e realismo fantástico sobre
os percalços dolorosos e alucinantes da vida que o diretor Bakhtyar
Khudojnazarov lança nas agruras vividas por seus personagens.
Ao centro de todos eles está a jovem Mamlakat
(a cativante e expressiva Chulpan Khamatova) que, num ímpeto de fascínio por
teatro e artes busca assistir a uma rara apresentação de um grupo de teatral
nos confins de sua aldeia natal. Na calada da noite, e após uma série de peripécias
frustrantes, a jovem encontra fortuitamente um homem que se diz ator e a
engravida logo na seqüência –numa cena bela, onírica e desconcertante onde ela
sequer tem a oportunidade da enxergar o seu rosto.
Munidos dessa informação –a do pai da vindoura
criança se dizer um ator –o pai dela, que vive da conturbada venda de coelhos
em meio às zonas hostis de seu território patrulhado por remanescentes da
guerra do Afeganistão, e o irmão (Moritz Bleibtreu, de “Corra, Lola, Corra” e “O
Grupo Baader-Meinhof”) que voltou da guerra variado da cabeça graças à explosão
de uma mina, partem em busca do homem que engravidou Mamlakat, provocando tumulto
a cada cidade que passam –e ilustrando diversas metáforas visuais que o diretor
lança sobre as conseqüências da guerra para a sociedade e o aflito ser humano
comum.
A medida que a história avança (e a maternidade
de Mamlakat a torna alvo da intolerância de seus vizinhos de aldeia), novas
atribulações irão insistir em aparecer para aquela família, até mesmo na
sensacional cena quando o filme ensaia um enganoso final feliz e iludibria o
expectador com um instante tão surreal quanto dramaticamente espantoso –sem entregar
as surpresas, mas é algo que o cinema argentino lançou mão, algumas décadas
depois, com o excelente “Um Conto Chinês” (o que talvez levante a possibilidade
de que tenha sido uma referência).
A trama, nunca realista nem pedante ou
condescendente, é narrada em seu lirismo pela própria criança que aguarda,
dentro da barriga da mãe, todos esses acontecimentos tumultuados terminarem,
para por fim vir ao mundo.
Bastante indicativo da fervilhante
inventividade cultural que permeava as obras da Ásia Central, e que em geral
pouca expressão ganharam aqui no Brasil, “Luna Papa” é uma ode carinhosa à um
tipo muito especial de personagens concebidos pelo cinema ao longo das gerações:
Aquele que mesmo diante das amarguras e aflições implacáveis da vida buscam
preservar a vontade de ser feliz. Por isso, a encantadora Mamlakat,
protagonista desta obra, tem muito em comum com a Cabíria de Federico Fellini
(e o diretor italiano é, também ele, uma referência onipresente e essencial ao
filme) e o Carlitos, de Charles Chaplin.
Só isso já lhe garante um lugar no céu.
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