quarta-feira, 1 de março de 2017

O Dia Seguinte

A passagem do tempo pode dar um aspecto redundante a muitas causas relevantes do passado, especialmente aos olhos de uma geração mais nova, que nasceu e cresceu sem ter experimentado a atmosfera e até mesmo as conseqüências prováveis de um determinado momento histórico.
É o caso da campanha de desarmamento nuclear que motivou amplas mobilizações ao redor do mundo durante a década de 1980, quando a população já se encontrava farta da tensão entre EUA e URSS ocasionada pela Guerra Fria.
Peça fundamental para essa campanha de desarmamento foi o telefilme “O Dia Seguinte”, realizado por Nicholas Meyer (diretor conhecido somente pelos episódios cinematográficos 2 [“A Ira de Khan”] e 6 [“A Terra Desconhecida”] de “Jornada Nas Estrelas”, e pela ficção científica “Um Século Em 43 Minutos”) e exibido para um público recorde na época. Um trabalho que não deve nada –em execução, em importância histórica ou em valor artístico –a qualquer obra feita para o cinema.
Em princípio, a narrativa propositadamente bucólica parece contentar-se em simplesmente pairar sobre uma série de personagens, todos moradores da cidade rural de Lawrence, no Kansas, onde por acaso, estão também posicionados os mísseis atômicos do governo, sempre em prontidão caso um ataque seja deflagrado.
Em sua rotina, eles ignoram anúncios que surgem na forma de ocasionais notícias alarmantes na TV, ou comentários de rádio acerca da situação política cada vez mais perigosa.
O filme faz questão de dar atenção à personagens comuns, cidadãos, pessoas normais: O médico em vias de se aposentar vivido por Jason Robards; o mochileiro boa-praça interpretado por Steve Guttenberg (um ator relativamente famoso nos anos 1980, tendo participado de sucessos irregulares como “Loucademia de Polícia”, “Cocoon” e “Três Solteirões e Um Bebê”); o fazendeiro interpretado por John Cullum e toda sua família, entretidos com a festa de casamento da filha mais velha, além de muitos outros.
É um elenco bastante numeroso, empático e diversificado, na medida do possível, e todos os personagens aos quais eles dão vida será arremessados numa outra (e quase inacreditável) realidade quando ocorrer a eclosão da Terceira Guerra Mundial, levando ao conseqüente ataque dos mísseis nucleares.
Após o caos espantoso que se segue à cena aterradora da explosão das bombas nucleares –ilustrado com competência pelos efeitos visuais envelhecidos, é bem verdade, mas ainda bastante eficientes –o filme concentra-se em seu cerne objetivo nos detalhes minuciosos, dramáticos e assustadores da morte lenta e horripilante dos moradores sobreviventes que experimentam uma agonia por meio da deterioração física provocada pela radiação, algo que os fará invejar os mortos.
O mais assombroso de tudo o quê é mostrado, é que o filme faz questão de ratificar, contínua e paulatinamente, que os eventos mostrados condizem com a realidade do que ocorreria se fosse desencadeada de fato uma guerra nuclear –em alguns casos, o registro do filme pode até ser considerado brando e ameno!
Filme lendário em seus propósitos pacifistas e na contundente e precisa mensagem que passa ao expectador, “O Dia Seguinte” é um espetáculo cru e inclemente para com o público, no seu desfilar brutal de dramas humanos que pouco a pouco se revelam irreversíveis.
Em sua decisão de descartar um irreal final feliz, o diretor Nicholas Meyer criou um dos mais poderosos e áridos manifestos antibélicos, merecedor de ser assistido por todos.

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