A passagem do tempo pode dar um aspecto
redundante a muitas causas relevantes do passado, especialmente aos olhos de
uma geração mais nova, que nasceu e cresceu sem ter experimentado a atmosfera e
até mesmo as conseqüências prováveis de um determinado momento histórico.
É o caso da campanha de desarmamento nuclear
que motivou amplas mobilizações ao redor do mundo durante a década de 1980,
quando a população já se encontrava farta da tensão entre EUA e URSS ocasionada
pela Guerra Fria.
Peça fundamental para essa campanha de
desarmamento foi o telefilme “O Dia Seguinte”, realizado por Nicholas Meyer
(diretor conhecido somente pelos episódios cinematográficos 2 [“A Ira de Khan”]
e 6 [“A Terra Desconhecida”] de “Jornada Nas Estrelas”, e pela ficção científica
“Um Século Em 43 Minutos”) e exibido para um público recorde na época. Um
trabalho que não deve nada –em execução, em importância histórica ou em valor
artístico –a qualquer obra feita para o cinema.
Em princípio, a narrativa propositadamente bucólica
parece contentar-se em simplesmente pairar sobre uma série de personagens,
todos moradores da cidade rural de Lawrence, no Kansas, onde por acaso, estão
também posicionados os mísseis atômicos do governo, sempre em prontidão caso um
ataque seja deflagrado.
Em sua rotina, eles ignoram anúncios que surgem
na forma de ocasionais notícias alarmantes na TV, ou comentários de rádio
acerca da situação política cada vez mais perigosa.
O filme faz questão de dar atenção à
personagens comuns, cidadãos, pessoas normais: O médico em vias de se aposentar
vivido por Jason Robards; o mochileiro boa-praça interpretado por Steve
Guttenberg (um ator relativamente famoso nos anos 1980, tendo participado de
sucessos irregulares como “Loucademia de Polícia”, “Cocoon” e “Três Solteirões
e Um Bebê”); o fazendeiro interpretado por John Cullum e toda sua família,
entretidos com a festa de casamento da filha mais velha, além de muitos outros.
É um elenco bastante numeroso, empático e
diversificado, na medida do possível, e todos os personagens aos quais eles dão
vida será arremessados numa outra (e quase inacreditável) realidade quando
ocorrer a eclosão da Terceira Guerra Mundial, levando ao conseqüente ataque dos
mísseis nucleares.
Após o caos espantoso que se segue à cena
aterradora da explosão das bombas nucleares –ilustrado com competência pelos
efeitos visuais envelhecidos, é bem verdade, mas ainda bastante eficientes –o filme
concentra-se em seu cerne objetivo nos detalhes minuciosos, dramáticos e
assustadores da morte lenta e horripilante dos moradores sobreviventes que
experimentam uma agonia por meio da deterioração física provocada pela radiação,
algo que os fará invejar os mortos.
O mais assombroso de tudo o quê é mostrado, é
que o filme faz questão de ratificar, contínua e paulatinamente, que os eventos
mostrados condizem com a realidade do que ocorreria se fosse desencadeada de
fato uma guerra nuclear –em alguns casos, o registro do filme pode até ser
considerado brando e ameno!
Filme lendário em seus propósitos pacifistas e
na contundente e precisa mensagem que passa ao expectador, “O Dia Seguinte” é
um espetáculo cru e inclemente para com o público, no seu desfilar brutal de
dramas humanos que pouco a pouco se revelam irreversíveis.
Em sua decisão de descartar
um irreal final feliz, o diretor Nicholas Meyer criou um dos mais poderosos e áridos
manifestos antibélicos, merecedor de ser assistido por todos.
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