quarta-feira, 19 de abril de 2017

Os Incompreendidos

Um dos filmes a definir o cinema enquanto clássico absoluto, este “Lês 400 Coups”, de François Truffaut, é também um dos filmes a definir a própria Nouvelle Vague Francesa, o movimento autoral que o originou.
Todos os princípios básicos dos críticos da Cahiers du Cinéma tornados cineastas está lá: As filmagens retiradas da zona de conforto dos estúdios e trazidas para a improvisação e a imprevisibilidade das ruas; os membros do elenco não profissional em interpretações carregadas de incidentes e reações que determinam as cenas.
Em meio a tudo isso, há ainda uma condução cheia de primor da parte de Truffaut, de compreensão do cinema que rege e de uma apura percepção dos elementos que moldam um filme verdadeiramente antológico.
Antoine Doinel (vivido por Jean-Pierre Léaud) é um jovem à beira da delinqüência que vive a perambular (e arrumar encrenca) pelas ruas de Paris. Em casa, sua mãe o negligencia em favor do namorado indiferente e rude, e dessa frustração, Antoine tira o ímpeto para desafiar professores e outras figuras de autoridade; tal postura logo o conduz ao reformatório, onde os atritos com as tentativas de regulamentação voltam a acontecer.
Autobiográfico, Truffaut observa nos detalhes as entrelinhas emocionais do filme –e a Nouvelle Vague soube usar, em geral, essa atenção aos detalhes –como na cena carregada de expressividade em que Antoine é interrogado por um professor.
Também plena de expressão é a seqüência final, quando Antoine busca fugir mais um vez –percebe-se então que ele passou o filme todo fugindo –e sua fuga o conduz até um ponto em que não mais poderia ir: As águas de uma praia solitária.
Em busca, talvez, de uma resposta, o personagem encara a câmera com um semblante de promessa e perplexidade –a vida é, afinal, uma eterna tentativa de compreensão.

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