Veterano da Guerra do Líbano, o cineasta Ari
Folman percebeu, um dia, que curiosamente não lembrava absolutamente nada de
sua passagem naquele conflito. Por alguma razão que lhe incomodava, sua memória
parecia bloqueada, em especial, o trecho em que ele e seus companheiros de
pelotão estiveram no episódio que veio a ser conhecido como o Massacre de Sabra
e Chatila.
Sua dúvida acerca de tal experiência se
intensifica quando conversa com um companheiro, também ele veterano, que se diz
perseguido por pesadelos recorrentes onde vê cães de aspecto pavoroso. Impelido
por essas dúvidas em torno da memória, Folman passa então a procurar antigos
companheiros dos tempos de exército e a colher depoimentos deles, o quê termina
sendo a espinha dorsal desta narrativa, basicamente, um apanhado das recriações
dessas lembranças.
Ciente, contudo, da natureza escorregadia da
memória, Folman não dá a essas recriações, as características naturalistas que
se esperaria de um filme convencional, na concepção e na certeza de Folman, as
memórias são uma reconstrução muito pessoal e subjetiva da história por parte
de indivíduo que as resgata da própria mente, e por isso, este filme primoroso,
dá corpo à essas lembranças através de imagens transfiguradas pela técnica da
rotoscopia formulada: A encenação real é apenas a base para uma animação
fluida, surreal e tão intrigante quanto a questão do discernimento entre
realidade e mentira, entre o que se testemunhou de fato e o que a mente (a fim
de se preservar do choque da verdade) se permitiu registrar –questão
fundamental, afinal de contas, deste filme.
Uma síntese empolgante, inebriante e
devastadora entre animação, documentário e drama ficcional, “Valsa Com Bashir”
acompanha os percalços desse grupo de jovens soldados por um mundo em guerra,
recordado por eles como uma sucessão irreal, absurda e desconcertante de
atrocidades e momentos arrebatadores.
O registro de Folman, entretanto, muda
completamente na seqüência final, quando enfim, a recordação acerca dos
acontecimentos em Sabra e Chatila é finalmente resgatada, e as razões para o
bloqueio tão indelével na mente dele, são então reveladas: O filme então deixa
a animação e o surrealismo de lado, e confronta o expectador e o próprio
realizador/protagonista com imagens reais de um horror incategorizável.
A verdade contida nesse
desfecho não pode, afinal, ser mascarada por opções de estilo.
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