segunda-feira, 19 de junho de 2017

Valsa Com Bashir

Veterano da Guerra do Líbano, o cineasta Ari Folman percebeu, um dia, que curiosamente não lembrava absolutamente nada de sua passagem naquele conflito. Por alguma razão que lhe incomodava, sua memória parecia bloqueada, em especial, o trecho em que ele e seus companheiros de pelotão estiveram no episódio que veio a ser conhecido como o Massacre de Sabra e Chatila.
Sua dúvida acerca de tal experiência se intensifica quando conversa com um companheiro, também ele veterano, que se diz perseguido por pesadelos recorrentes onde vê cães de aspecto pavoroso. Impelido por essas dúvidas em torno da memória, Folman passa então a procurar antigos companheiros dos tempos de exército e a colher depoimentos deles, o quê termina sendo a espinha dorsal desta narrativa, basicamente, um apanhado das recriações dessas lembranças.
Ciente, contudo, da natureza escorregadia da memória, Folman não dá a essas recriações, as características naturalistas que se esperaria de um filme convencional, na concepção e na certeza de Folman, as memórias são uma reconstrução muito pessoal e subjetiva da história por parte de indivíduo que as resgata da própria mente, e por isso, este filme primoroso, dá corpo à essas lembranças através de imagens transfiguradas pela técnica da rotoscopia formulada: A encenação real é apenas a base para uma animação fluida, surreal e tão intrigante quanto a questão do discernimento entre realidade e mentira, entre o que se testemunhou de fato e o que a mente (a fim de se preservar do choque da verdade) se permitiu registrar –questão fundamental, afinal de contas, deste filme.
Uma síntese empolgante, inebriante e devastadora entre animação, documentário e drama ficcional, “Valsa Com Bashir” acompanha os percalços desse grupo de jovens soldados por um mundo em guerra, recordado por eles como uma sucessão irreal, absurda e desconcertante de atrocidades e momentos arrebatadores.
O registro de Folman, entretanto, muda completamente na seqüência final, quando enfim, a recordação acerca dos acontecimentos em Sabra e Chatila é finalmente resgatada, e as razões para o bloqueio tão indelével na mente dele, são então reveladas: O filme então deixa a animação e o surrealismo de lado, e confronta o expectador e o próprio realizador/protagonista com imagens reais de um horror incategorizável.
A verdade contida nesse desfecho não pode, afinal, ser mascarada por opções de estilo.

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