sábado, 17 de junho de 2017

Viver

É um título e tanto quando afirmam que este vem a ser o filme favorito de Steven Spielberg. A verdade é que sua excelência lhe faz jus, e tal execução não poderia partir de outro senão de um mestre maior como Akira Kurosawa.
Ele acompanha, com interesse e reflexão a trajetória de Kenji Watanabe (Takashi Shimura, um dos habituais colaboradores de Kurosawa, assim como Toshiro Mifune, tendo inclusive participado de “Os Sete Samurais”), um burocrata em idade avançada, cuja vida pessoal metódica, muito espelhada na disciplinada vida profissional, sofre um baque ao descobrir-se vítima de câncer.
A perspectiva de uma existência enfim limitada lhe faz perceber que a busca pela obtenção de dinheiro que lhe norteou a vida foi, afinal, inútil: De que aquilo lhe serviu?
A tentativa de entender algum significado em tudo toma-lhe os primeiros dias, nos quais até mesmo ensaia algumas tentativas de rebelião –divertidas noitadas ao lado de um novo amigo que não rendem coisa alguma exceto pequenos aborrecimentos.
A vida (ou o que dela resta) parece enfim ganhar algum propósito quando Watanabe percebe que seus esforços finais nos meses que lhe restam poderão ser úteis a um único objetivo: Proporcionar aos moradores de um cortiço a construção de um parquinho de diversões em meio à desolação da favela.
Lutar para levar um pouco de felicidade ao coração da miséria.
Numa manobra narrativa primorosa, o mestre Kurosawa intercede no trecho final do filme, mostrando o elogioso cortejo fúnebre de Watanabe, já falecido: A condução do diretor não se desestabiliza por isso; agora são as pessoas que o conheceram que relembram seus últimos momentos, como se tentassem montar um quebra-cabeças a respeito de quem aquele homem foi e qual o significado de suas enigmáticas ações e atitudes em seus últimos dias de vida.
Com este drama humanista (e apesar de tudo, otimista) amparado em seu inconfundível e magistral estilo, o mestre cria aqui um milagre: Uma história que parte do princípio de um velho burocrata que descobre ter câncer terminal, o quê acaba dando novo enfoque ao seu modo (tardio) de enxergar a vida. Uma história que, por sua própria natureza, tinha tudo para resultar depressiva, amarga, sombria até, mas que nas mãos de Kurosawa converte-se na mais primorosa das observações acerca do sentido prático de nossa existência, além de um ensaio eficaz e lúcido sobre a maneira bastante imprevisível como seremos lembrados.
Sob o prisma de uma morte eminente Kurosawa encontra uma forma de falar sobre a vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário