sábado, 17 de junho de 2017

Lua de Fel

Nas cenas iniciais deste filme de Roman Polanski parece inconcebível que um casal –pelo menos, um casal normal, nos termos afetuosos a que estamos habituados ver num filme –possa migrar de uma relação normal para aquela registrada na trama doentia elaborada neste filme; contudo, é exatamente isso que o expectador irá presenciar ao longo dos cem minutos de filme: Nesta obra que ambienta-se entre duas fases distintas de sua carreira (nos anos 1990, época de seus trabalhos mais obscuros, diferente das obras surpreendentes dos anos 1970, e das consagradas produções da década de 2000), ele se vale exclusivamente desse arco narrativo –a transformação espantosa (não raro, horripilante) de um relacionamento ardente em uma dependência sórdida beirando a tragédia –narrado em sarcástica primeira pessoa por Oscar (Peter Coyote), uma das contrapartes desse casal.
Seu ouvinte é Nigel (Hugh Grant, antes do estrelato de “Quatro Casamentos e Um Funeral), casado com Fiona (Kristin Scott-Thomas, antes do estrelato de “O Paciente Inglês”, e que também estava no elenco de “Quatro Casamentos...”), junto da qual embarcou num cruzeiro a fim de comemorar os sete anos de seu casamento, o mesmo cruzeiro onde conheceram Oscar e Micheline (Emmanuelle Seigner, esposa de Polanski, num papel audacioso, corajoso e perturbador).
Ele é cadeirante. Ela é sensual e insinuante. E Oscar sabe que Nigel pode cometer adultério com ela. Enquanto a hesitação de Nigel não se resolve, Oscar decide então relatar a ele a história de como conheceu Micheline –ou melhor, Mimi –e de como se tornaram o quê são.
Mais do que uma mera história que culmina em uma troca de casais, Polanski mergulha de maneira aterradora e irreversível nas mazelas mais profundamente contundentes da relação a dois, talvez comparável, em intensidade e despojamento, somente ao visceral “Possessão”, de Andrzej Zulawski.
Assim como Nigel, acompanhamos o princípio ardente do relacionamento entre Oscar e Mimi; o fulgor do sexo que ilustro os lascivos primeiros meses, bem como o lento e pesaroso minguar que sua relação sofreu quando o tédio e a monotonia macularam as cores que antes eram vivas –e que potencializou o egoísmo de Oscar para com Mimi quando ela ficou grávida.
A cada sessão na qual esse passado é desnudado, a obra de Polanski torna-se mais dura, mais emocionalmente insuportável: A história narrada em flashbacks por Oscar passeia pelas mais inacreditáveis facetas da obsessão, guiada com precisão pelo diretor Polanski, ostentando um raro equilíbrio entre o fatalismo macabro, a descontração desconcertante e uma fina ironia –e é frequentemente espantoso que Polanski tenha escalado, como pivô de toda essa trama claustrofóbica e mórbida a sua própria esposa!

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