Nas cenas iniciais deste filme de Roman
Polanski parece inconcebível que um casal –pelo menos, um casal normal, nos
termos afetuosos a que estamos habituados ver num filme –possa migrar de uma
relação normal para aquela registrada na trama doentia elaborada neste filme;
contudo, é exatamente isso que o expectador irá presenciar ao longo dos cem
minutos de filme: Nesta obra que ambienta-se entre duas fases distintas de sua
carreira (nos anos 1990, época de seus trabalhos mais obscuros, diferente das
obras surpreendentes dos anos 1970, e das consagradas produções da década de
2000), ele se vale exclusivamente desse arco narrativo –a transformação
espantosa (não raro, horripilante) de um relacionamento ardente em uma
dependência sórdida beirando a tragédia –narrado em sarcástica primeira pessoa
por Oscar (Peter Coyote), uma das contrapartes desse casal.
Seu ouvinte é Nigel (Hugh Grant, antes do
estrelato de “Quatro Casamentos e Um Funeral), casado com Fiona (Kristin
Scott-Thomas, antes do estrelato de “O Paciente Inglês”, e que também estava no
elenco de “Quatro Casamentos...”), junto da qual embarcou num cruzeiro a fim de
comemorar os sete anos de seu casamento, o mesmo cruzeiro onde conheceram Oscar
e Micheline (Emmanuelle Seigner, esposa de Polanski, num papel audacioso,
corajoso e perturbador).
Ele é cadeirante. Ela é sensual e insinuante. E
Oscar sabe que Nigel pode cometer adultério com ela. Enquanto a hesitação de
Nigel não se resolve, Oscar decide então relatar a ele a história de como conheceu
Micheline –ou melhor, Mimi –e de como se tornaram o quê são.
Mais do que uma mera história que culmina em
uma troca de casais, Polanski mergulha de maneira aterradora e irreversível nas
mazelas mais profundamente contundentes da relação a dois, talvez comparável,
em intensidade e despojamento, somente ao visceral “Possessão”, de Andrzej
Zulawski.
Assim como Nigel, acompanhamos o princípio
ardente do relacionamento entre Oscar e Mimi; o fulgor do sexo que ilustro os
lascivos primeiros meses, bem como o lento e pesaroso minguar que sua relação
sofreu quando o tédio e a monotonia macularam as cores que antes eram vivas –e
que potencializou o egoísmo de Oscar para com Mimi quando ela ficou grávida.
A cada sessão na qual esse
passado é desnudado, a obra de Polanski torna-se mais dura, mais emocionalmente
insuportável: A história narrada em flashbacks por Oscar passeia pelas mais
inacreditáveis facetas da obsessão, guiada com precisão pelo diretor Polanski,
ostentando um raro equilíbrio entre o fatalismo macabro, a descontração
desconcertante e uma fina ironia –e é frequentemente espantoso que Polanski
tenha escalado, como pivô de toda essa trama claustrofóbica e mórbida a sua
própria esposa!
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