sexta-feira, 28 de julho de 2017

Dona Flor e Seus Dois Maridos

As expectativas para Flor (uma estonteante Sonia Braga) eram de uma vida normal e tranquila: Casar-se –de preferência com o extrovertido Vadinho (o ótimo José Wilker, em papel muito adequado), seu amado desde os tempos de juventude –e passar a cuidar do marido e dos filhos que teria com ele.
Entretanto, a vida não quis assim.
Essa é a premissa a partir da qual trabalha um dos mais emblemáticos filmes brasileiros já realizados; emblemático pelo reconhecido sucesso de bilheteria que obteve em 1976, e que até hoje o torna ainda lembrado pelo público, pelo retrato ardente, sensual e festivo que o diretor Bruno Barreto fez do Brasil em seu trabalho, e que evitou com habilidade, na medida do possível, os reflexos involuntários do cinema brasileiro da época (leia-se, a erotização excessiva que caracterizava as produções vindas da Boca do Lixo).
Não que o filme de Barreto não tenha lá a sua malícia; não podia ser diferente, já que ele adaptou uma obra de Jorge Amado, escritor dedicado a examinar as facetas tortuosas, vexaminosas, periclitantes e nada convencionais do ato de amar.
A vida de Flor toma um rumo diferente quando, durante uma farra madrugadal, Vadinho simplesmente cai morto (!), tornando-a viúva, ainda tão jovem e bela.
O tempo passa e, diante dos conselhos amigos, Flor decide aceitar o amor novamente, desta vez com um parceiro completamente diferente de Vadinho, na verdade, o seu oposto: Teodoro (Mauro Mendonça), o pacato e introvertido farmacêutico local.
Entretanto, como reza a narrativa cheia de gracejos e ironias de Jorge Amado, que o diretor Barreto se esforça paulatinamente para emular, a vida de Flor não terá sossego: Eis que o espírito de Vadinho volta do além, materializado como era antes (e somente o espírito, diga-se, nada de roupas!), e ávido por dar continuidade, mesmo que como fantasma, aos interlúdios românticos e desavergonhados que tinha com sua bela esposa quando ainda era vivo.
Flor vive, portanto, um imbróglio que é típico das armadilhas que os mais perspicazes e bem-humorados contadores de histórias costumam elaborar: É afrontada pela culpa do adultério em relação à Teodoro toda a vez que Vadinho, em sua libidinosa paixão lhe aparece (somente Flor é capaz de vê-lo e tocá-lo); mas, não deixa de sempre lembrar o detalhe que foi Vadinho seu primeiro marido e que, bem ou mal, é com ele que Flor encontra a paixão arrebatadora e lasciva que fica sempre apropriadamente de fora de seu virtuoso casamento com Teodoro.
Na visão tanto do escritor Jorge Amado quanto do diretor Bruno Barreto, Vadinho e Teodoro não são personagens que se antagonizam numa dinâmica de adultério ou de triângulo amoroso; são, na verdade, complementares nas facetas distintas do amor que provêm à Flor: Teodoro é todo doçura, proteção e estabilidade. E é também todo realismo na imagem que passa de um marido exemplar da vida real; Vadinho, por sua vez, é a febre, o destempero e o êxtase que vem com a paixão, é o avassalamento da excitação carnal e, num gesto tão sarcástico quanto reflexivo, ele é também o sobrenatural, o fantástico –e, talvez, o idealizado –a história na qual ninguém irá acreditar.
Flor até tenta se livrar dele, mas no fundo compreende que o desejo ardente que Vadinho lhe incita é tão essencial quanto a segurança que Teodoro lhe proporciona.
O amor, neste filme caloroso de Barreto, não necessita de rótulos, definições ou parâmetros –que bom que é com uma obra engraçada, apaixonada e excitante que ele vem a mostrar isso.

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