Para o maleável Charlie Allnut, beberrão dono
do pequeno barco The African Queen, a vida em uma colônia alemã na África,
durante a Primeira Guerra Mundial é um recurso válido, justificável e cômodo
para afastá-lo dos problemas indesejáveis. Longe da dualidade moral melindrosa
e cínica do Ricky Blame, de “Casablanca”, e certamente de sua estampa
sofisticada e refinada, Charlie é um tipo novo de anti-herói para o currículo
de Humphrey Borgat: Um rabugento que não apenas procura demonstrar sua
indiferença em relação ao altruísmo e à compaixão, mas que também deixa
transparecer essa postura na aparência desleixada que se permite cultivar.
Charlie, porém, tem lá seus lampejos de
bondade: Ele leva provisões às vilas ribeirinhas cuja inacessibilidade ocasiona
os moradores de alguma carência.
Será numa dessas vilas em que ele se encontrará
com Rose Sayer, uma missionária solteirona britânica em ajuda ao irmão, um pastor
presbiteriano; em sua verve discursiva, petulante, espalhafatosa e encantadora
Rose é uma das muitas personagens notáveis para as quais Katherine Hepburn
emprestou sua maestria.
E reunir dois monstros sagrados como Bogart e
Hepburn em um só filme, tenha ele a premissa que tiver, já é, por si, um
convite ao deleite irrevogável do expectador. Todavia, o diretor John Huston
(que sempre apreciou o potencial camaleônico de Bogart em personagens sempre
distintos, vide seus “O Falcão Maltês” e “O Tesouro de Sierra Madre”) faz muito
mais: Quando por fim a guerra chega até os confins onde estão, culminando com a
morte do irmão de Rose, ela convence Charlie a descer o rio, enfrentando corredeiras
e soldados inimigos, a fim de bombardear um navio de guerra alemão.
Em seu percurso, estes
notáveis e irresistíveis personagens encontrarão perigos, partilharão uma espécie
inédita (para eles próprios) de intimidade, descobrirão entre si uma sintonia e
uma cumplicidade ímpares e, ao fim terão protagonizado um dos melhores filmes
de aventura do cinema.
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