O pátio noturno que se revela na primeira cena
é tenebroso, quase pertencente a um filme de terror. E a narrativa
parcimoniosa, serena, porém firme do diretor Mel Gibson, já desde esse
princípio consegue se mostrar amedrontadora, sobretudo, talvez aos expectadores
que sabem de antemão o quê lhes aguarda.
Jesus Cristo Nazareno tem medo. Interpretado
com bastante propriedade e compromisso por Jim Cazievel (de “Além da Linha
Vermelha”), o messias é mostrado, como não poderia deixar de ser, em suas
facetas humanas mais suscetíveis aos flagelos terrenos –ao longo do filme ele
experimentará, além do medo, o abandono, o repudio, a desesperança, o
desespero, a desorientação e a dor em suas inúmeras e insuportáveis expressões,
além de diversas outras sensações tão mundanas quanto atrozes, antes de, por
fim, deixar esta vida.
“Paixão de Cristo” se impõe assim como um
exercício de estilo e, por que não, de brilhantismo do diretor Mel Gibson, onde
ele logrou empregar toda sua obsessão artística por uma reconstituição fiel aos
fatos históricos que tanto se mostraram interessantes em sua pequena mais
brilhante filmografia, que vai desde os detalhes mais sutis até os mais
evidentes, o quê determinou diretamente a excelência artística do resultado
final, bem como a reação de assombro perplexidade com a qual o público o
respondeu.
Falado todo em hebraico, o filme acompanha
assim as 12 últimas horas de vida de Jesus Cristo na terra. A traição de Judas
(Luca Lionello) e sua conseqüente prisão pelos soldados romanos. O julgamento
movido por Caifás (Mattia Sbragia) e os outros sacerdotes. A sentença decretada
por Poncio Pilatos (Hristo Shopov). O interminável martírio até a crucificação.
Tudo acompanhado de perto por seus seguidores e pelo testemunho perplexo e
impotente de sua aflita mãe, Maria (Maia Morgenstern, fabulosa), e da
ex-prostituta devota e recuperada, Maria Madalena (Monica Bellucci). Encerrando,
enfim, com a morte na cruz mostrada com assustador realismo.
Muitos foram os que criticaram a maneira
gráfica com que Gibson expôs o calvário –tão reconstituído em tantos outros
filmes, todos infinitamente mais amenos do que este –assim como a ligeira
sugestão de anti-semitismo da narrativa (personagens como Judas, Poncio Pilatos
ou mesmo Barrabás ganham interpretações ambíguas e humanizadas, enquanto Caifás
e os sacerdotes do templo são retratados com desprezível vilania), e muitos
foram também aqueles que o louvaram como uma grande obra –o quê ele de fato é.
Gibson promove uma recriação árdua, minimalista
e até mesmo apaixonada das percepções, texturas e elementos da época
rigidamente como teria sido (o que converge no assombro das cenas ultra
sangrentas e ultra violentas que deram muito o que falar), de forma ainda mais
dedicada e artisticamente perseverante do que ele fez no ganhador do Oscar, “Coração
Valente” –neste sentido, “Paixão de Cristo” se irmana, de fato, com outro
grande filme realizado por Gibson logo depois, “Apocalypto”.
O mestre Martin Scorsese
pode até ter feito um trabalho ainda mais amplo e admirável em seu esplêndido
“A Última Tentação de Cristo”, mas Mel Gibson certamente urgiu um filme que é
um testemunho à tenacidade, ao talento e à força estética de si próprio como um
artista que, após uma consagrada carreira como ator, revelou-se um diretor de
estilo forte e contundente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário