Não é, de modo algum, casual o fato de que os
ataques do monstro mostrado neste filme se sucedem na cidade de Seul, capital
da Coréia do Sul: O filme do diretor Nacho Vigalondo é, sobre diversos
aspectos, fortemente influenciado pelo cinema incomum e vigoroso praticado
pelos cineastas de lá.
Herda deles, por exemplo, uma premissa insana e
surreal: A nova-iorquina Gloria (Anne Hathaway, recuperando um pouco do brilho
perdido nos últimos anos), devido à sua incapacidade de lidar com suas
bebedeiras, foi praticamente expulsa de seu apartamento pelo namorado Tim (Dan
Stevens, da série “Downton Abbey”) e agora não tem outra opção senão voltar a
morar na casa onde cresceu. O reencontro com antigos amigos de juventude é
inevitável; e quem ela encontra é Oscar (Jason Sudeikis, uma presença bem menos
cômica do que se poderia esperar) que por ela parece nutrir um desejo ainda não
resolvido e lhe oferece emprego de garçonete no bar suburbano herdado do pai
–logo ela, que precisava de distância das bebidas para refazer sua vida!
Com o tempo, Gloria estabelece um círculo de
amizades: Além do prestativo Oscar –que não tardará, também, a revelar um
intempestivo lado negro –seus companheiros de bebedeira são o filosófico e
viciado Garth (Tim Blake Nelson, de “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”) e o jovem
Joel (Austin Stowell).
Ah, sim, existe o detalhe essencial que
acrescenta insanidade e surrealismo ao enredo: Paralelo à esse colapso em que
anda sua vida surge, lá na Coréia do Sul, um monstro misterioso levando
destruição e medo à população.
Tal monstro é a própria Gloria (!): Ao pisar na
área de um parquinho próximo de sua casa num determinado horário (e a
explicação para esse fenômeno, ainda que previsivelmente mirabolante e até
redundante, vem perto de seu final), o monstro se materializa em Seul, e
realiza exatamente os mesmos movimentos que ela também faz (!).
O temor dela em machucar inadvertidamente
pessoas do outro lado do mundo é ampliado quando o próprio Oscar descobre que,
assim como ela, também pode se materializar em Seul –por sua vez, como um robô
gigante (!). A partir daí, Oscar dá vazão a todos os seus ressentimentos por
Gloria demonstrar atração por Joel e não por ele, o quê compromete a segurança
dos sul-coreanos, e dá a Oscar um meio de chantagear e controlar a vida de
Gloria.
A saída que ela encontra para esse desenlace é
até bastante inventiva e inesperada.
A tradição dos filmes de monstros do cinema
comercial é antiga e ampla, envolvendo exemplares como o clássico “King Kong”,
e suas várias versões e reformulações, o suspense em found-footage
“Cloverfield-Monstro”, o famoso “Godzilla” –protagonista de incontáveis
produções –e diversos outros títulos que passeiam por superproduções e pérolas
do cinema trash. À essa vasta coleção, Vigalondo acrescenta um de seus mais
desiguais espécimes: Um filme de monstro que é, também, um drama psicológico
sobre as frustrações acarretadas pela falta de amadurecimento, no qual as
facetas de cinema fantástico, embora inseridas com um mínimo de plausibilidade
na trama, são também metáforas sobre a dinâmica abusiva nos relacionamentos
desfigurados pelo rancor e pela mágoa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário