quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

O Estranho Que Nós Amamos

Eu ainda não vi o filme clássico estrelado por Clint Eastwood e dirigido por Don Siegel, o que considero um grave lapso de minha parte: Isso torna impossível estabelecer, por enquanto, uma comparação entre os dois trabalhos, que acredito, devem ser contrastantes.
Avaliando o filme de Sofia Coppola por si só, é uma obra que reflete muito da própria diretora, seja tematicamente, seja esteticamente.
Como sempre, Sofia pegou um material e dele fez algo seu.
A trama começa com a pequena Amy (Oona Laurence) caminhando despreocupada por um bosque a colher cogumelos. O registro lúdico, a escolha criteriosa dos enquadramentos, o ritmo controlado –tudo já remete ao estilo já conhecido de Sofia onde ela privilegia a contemplação.
Esse estilo persiste e permanece ao longo do filme, quando Amy encontra, ferido e fraco, o Cabo John McBurney (Colin Farrell, no que eu deduzo ser uma escolha deliberadamente destoante em relação à Clint Eastwood no filme original).
O soldado –ianque e, portanto, vindo do lado inimigo –pede ajuda à menina que o leva à mansão, uma escola sulista para meninas administrada pela enérgica Srta. Martha Fansworth (Nicole Kidman, sempre competente) que recebe o enfermo com relutância, e uma empolgação mais bem disfarçada do que as demais. Lá cercado por sete mulheres –além da Srta. Fansworth e Amy, a professora Edwina Morrow (Kirsten Dunst, que foi dirigida por Sofia em “As Virgens Suicidas” e “Maria Antonieta”), e as jovens Alicia (Elle Fanning, dirigida por Sofia em “Um Lugar Qualquer”), Jane (Angourie Rice, de “Dois Caras Legais”), Emily (Emma Howad) e Mary (Adisson Riecke) –McBurney desperta um sentimento de euforia contida em geral, e reações mais distintas e particulares em cada uma.
Não tarda ao soldado, desejoso de ali permanecer, valer-se de um estratagema para seduzir, por assim dizer, cada uma delas: À Srta. Fansworth, ele proporciona adulação e reconhecimento por suas responsabilidades; à Edwina, ele deixa implícito aquilo que ela anseia (e em sua expressão amargurada concluiu que jamais teria), amor; à Alicia, e seus olhares lascivos de provocação, ele dá sutil encorajamento; à Jane e as meninas mais novas, ele provém elogios à suas virtudes e uma presença masculina para apreciarem.
O trabalho de Sofia, e sua inerente atenção às sutilezas, dá ênfase ao ponto de vista feminino –segundo consta, oposto do que ocorre no filme de Don Siegel –e, por conseqüência, isso muda bastante o filme. Muda sua proposta. Muda sua intenção. E, no fim, muda sua reflexão.
Sofia administra uma guinada ao deixar claras as conseqüências para McBurney –até então, bem-sucedido em prevalecer na alta conta das mulheres –quando, em sua ciranda psicológica na tentativa de satisfazer e manipular a todas, ele erra o passo e paga muito caro por isso.
Ao contrário do que Don Siegel parece fazer em seu filme –onde dizem, ele enfatiza o sofrimento de McBurney e potencializa o poder castrador da mulher –aqui, Sofia Coppola vilaniza o próprio McBurney por meio da metamorfose que as circunstâncias operam na situação e, assim sendo, ela se aproxima da aflição de suas protagonistas na hesitante tentativa de pôr em prática seu plano final.

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