quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Ela

Há todo um diálogo que este “Ela” estabelece com o maravilhoso “Encontros e Desencontros” por uma razão muito pessoal: Spike Jonze foi casado com a diretora e roteirista daquele filme, Sofia Coppola –pode-se ouvir a voz de Spike Jonze em determinado momento, enquanto ele manuseia a câmera no making-of do filme que acompanha o DVD.
Sendo assim “Encontros e Desencontros” um roteiro fruto de percepções muito pessoais da parte de Sofia –e nesse sentido, a personagem de Scarlett Johansson funciona como seu alter-ego –então, podemos presumir que o personagem do marido, vivido por Geovanni Ribisi, corresponde à Spike Jonze.
E, como se pode perceber, no filme de Sofia, a protagonista sofre por uma despercebida indiferença do marido, que a ama, mas a deixa de lado.
Compreender o papel ingrato que exerceu para Sofia, durante o período em que foram casados, foi o que levou Spike Jonze a transformar este projeto numa espécie de pedido de desculpas: Nos enquadramentos de câmera (que priorizam janelas e vidraças amplas) e na referência visual inconfundível, na presença (ou quase...) de Scarlett Johansson em ambos os trabalhos, e na própria premissa que adota –e, sobretudo, nos rumos que ela toma –“Ela” é um filme que se reflete de maneira expiatória na dramaturgia íntima da obra-prima de Sofia Coppola.
É, portanto, indiscutível o quanto representa o próprio Spike Jonze o protagonista Theodore (o sempre bom Joaquim Phoenix), um rapaz que, num futuro algo próximo, trabalha elaborando cartas de amor. Contudo, transcrever em palavras quase nunca significa ser desenvolto nas ações e Theodore se vê ainda angustiado por seu último relacionamento que não deu certo.
Parece ser propício então quando ele é apresentado a uma nova tecnologia que promete contornar a solidão do mundo moderno e as insatisfações do relacionamento a dois: Um sistema operacional dotado de inteligência e personalidade ao qual ele passa a chamar de Samantha (Scarlett Johansson que valendo-se apenas de sua voz cria uma das personagens mais cativantes do ano).
Theodore cria com Samantha –uma homenagem a atriz Samantha Morton, a primeira opção para dar voz à personagem –um relacionamento que, durante algum tempo, lhe parece mais vivaz e compensador que as outras relações que tivera. Mas aos poucos, Samantha começa a evoluir e junto com ela, a própria relação que tinham se transforma.
Talvez pela sinceridade e emoção absolutamente genuínas que pulsam de seu trabalho, esta profunda e terna discussão sobre o amor e os relacionamentos nos tempos atuais é o melhor filme da carreira incomum de Spike Jonze (ele venceu o Oscar de Melhor Roteiro Original), tão pontuada de filmes de caráter inusitado e desafiador. Entretanto, seu pequeno e pessoal inventário dos lapsos que sofreu e principalmente infligiu em seu relacionamento deve muito do resultado tocante e esclarecedor que alcança ao fabuloso trabalho vocal da atriz Scarlett Johansson –uma pena a campanha para indicá-la ao Oscar de Melhor Atriz não ter dado certo.

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