O sucesso de público e crítica de “O Pacto dosLobos” não chegou a compor uma nova tendência no cinema comercial francês dos
anos 1990 pelo simples fato de que a mistura proposta pelo diretor Christopher
Gans em seu longa era bastante peculiar, por vezes, inimitável.
O mais próximo que se chegou de tal feito foi
este curioso “Vidocq” realizado por um jovem esteta, Pitof (outrora um técnico
de efeitos visuais de filmes como “Asterix e Obelix Contra César”), que
assimilou algumas das características do filme de Gans ao seu próprio estilo
ele próprio iconoclasta e diferenciado.
Como em “Pacto dos Lobos”, “Vidocq” propõe uma
desconstrução de elementos de gêneros pela simples mescla de facetas incomuns e
antes tidas por incompatíveis de diversas categorias de filmes comerciais.
Há, por exemplo, o artifício razoável e ameno
do repórter (Guillaume Canet) intrigado por uma morte sem maiores explicações e
que, no rastro de sua busca, conduz toda a premissa.
O diretor Pitof, entretanto, arremessa esse
ponto de partida numa arrojada ambientação de época, a Paris de 1830, com
enquadramentos de câmera e direção de fotografia tão excêntricos e
desconcertantes que quase não se nota a referência à “Cidadão Kane” nesse
início.
É por meio desse mote que o filme se moldará,
pois sabemos que o detetive Vidocq (Gerard Depardieu) está morto desde o
princípio; entretanto, como “Kane”, ele é o protagonista com ares ambíguos que
a narrativa tentará entender e contextualizar. E por meio desse objetivo, o
personagem de Canet irá refazer os passos de Vidocq através da reconstituição
de todos os últimos personagens a terem contato com ele, descortinando assim,
uma trama mirabolante em que Vidocq busca salvar uma moça (Inés Sastre) por
quem veio a se apaixonar das garras de um vilão assassino e misterioso.
Embora a qualidade do resultado não chegue a
honrar suas referências primordiais (“O Pacto dos Lobos” e “Cidadão Kane”),
“Vidocq” é um filme diferente e até surpreendente, servindo como bom exemplar
de um novo cinema francês de entretenimento que ameaçou surgir nos anos 1990,
introduzido anteriormente não só com o "Pacto dos Lobos", mas também
com o sensacional “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” –e que, aliás, tinha
nos elementos desiguais das obras de Jean Pierre Jeneaut um de seus guias –na realidade,
uma série de influências pop tratadas com o verniz diferenciado do cinema
europeu. Herança certamente das experiências visuais e narrativas realizadas por
um jovem Luc Besson, e outros como Jean-Jacques Beineix ou Leos Carax, durante os
anos 1980.
"Vidocq", na evolução que propõe
(mas, que não necessariamente concretiza) a esse exótico cinema francês
comercial, trás lutas coreografadas nos moldes de “Matrix” e uma trama girando
em torno do mistério de um caricato vilão com máscara ao estilo História em
Quadrinhos, com travellings de câmera inusitados para uma ambientação de época.
O diretor Pitof cria um filme onde o estilo se
sobrepõe de maneira opressiva sobre o conteúdo, mostrando, no entanto, bom
senso em fazer uma obra deliberadamente curta e enxuta na qual os noventa e
oito minutos passam num ritmo tão fluente que os expectadores não reparam nas
deficiências de sua narrativa –sendo as maiores a falha em dar uma motivação
aos personagens e a incapacidade de conceder ao protagonista um peso dramático
maior.
Quando foi importado para
os EUA para seu projeto seguinte, contudo, Pitof meteu os pés pelas mãos e
dirigiu um filme catastrófico que ilustrou de forma indisfarçável todas as suas
fragilidades como artista: O tenebroso e equivocado “Mulher-Gato”, com Halle
Berry.
Nenhum comentário:
Postar um comentário