O estilo de Hector Babenco nunca me agradou.
Suas narrativas tinham um desleixo cênico proposital que sempre pareceu ser
injustificado. Os filmes (mesmo as obras hollywoodianas como “Ironweed”) ostentavam
tramas cujo cerne era sempre a miséria humana em suas mais lamentáveis
incorporações.
Se o objetivo dele era chocar ou transgredir,
ele chegou um tanto quanto atrasado em relação à Píer Paolo Passolini, e não
acrescentou algo novo como veio a fazer Lars VonTrier, anos depois. Suas
referências cinematográficas, mesmo em seus últimos trabalhos, quando a
experiência de anos na direção fica evidente na técnica, resultavam frouxas e
sem propósito, e suas inquietações ficavam num meio-termo cômodo que não
apontava na direção de nenhum objetivo, fosse ele comercial ou artístico.
Quem for conferir “O Beijo da Mulher-Aranha”
sem maiores informações a respeito da produção, baseado exclusivamente em seu
histórico de premiações e elogios da crítica obtidos nos anos 1980, pode sair
com uma impressão parecida com essa.
Babenco fala sobre o período da opressão da
ditadura no Brasil –ou na América Latina como um todo –de maneira superficial o
suficiente para que seu registro soe inteligível em qualquer parte do mundo.
Perde-se uma profundidade maior no esclarecimento de muitas passagens que ficam
vazias de significado, ganha-se num caráter universal que sua narrativa parece
almejar.
Talvez seja por isso que, no intimismo brutal e
espartano de sua encenação (a trama é confinado numa claustrofóbica cela de
quatro paredes durante boa parte de sua duração), Babenco se mostre interessado
mesmo em contrapor as índoles de dois prisioneiros completamente opostos que
irão interagir ao longo de todo o filme. São eles, Valentim (o saudoso Raul
Julia), um preso político, membro de um movimento contundente na luta armada
contra as forças do governo –e, por isso mesmo, um dos detentos que recebe mais
atenção da truculência dos guardas –e Luis (William Hurt, vencedor do Oscar
1986 de Melhor Ator), um homossexual dado a chiliques e tão avesso à violência
que em princípio nos perguntamos o quê faz numa cadeia como aquela.
De início, há uma natural aversão entre eles.
Para Luis, Valentim é um homem bruto, rude e
nada compreensivo. Está preso porque é violento e só pela violência sabe se
expressar. Um bandido por definição.
Para Valentim, Luis é alguém cuja razão de ser
ele não aceita. Não deseja questionar o sistema vigente, como ele, mas, ao ser
quem é, questiona a própria natureza. Um homem que afirma ser, por dentro, uma
mulher –e seu comportamento afeminado ao extremo, no limite de qualquer
caricatura e afetação é uma amostra da entrega sem ressalvas de William Hurt ao
papel.
Dois mundos diferentes, tão mais absurdos aos
olhos, um do outro, quando somente sua superfície se mostra observável.
Contudo, encarcerados naquele cubículo diminuto
os dois realizarão, a despeito de quererem ou não, uma espécie de troca:
Conhecerão mais de cada um.
Luis gosta de contar histórias e, em suas
narrativas romantizadas, repletas de pensamentos subliminares, ele expõe suas
opiniões e suas sensibilidades –é também, num desses entrechos, que surge a
enigmática personagem-título da Mulher-Aranha (interpretada por Sonia Braga,
belíssima) a representar uma espécie de fuga, não necessariamente da prisão em
termos físicos, mas uma fuga de um mundo desgostoso e injusto, ou a própria
sedução da fuga.
À medida que essas histórias avançam
transmutando a convivência dos dois, as narrativas mudam, também elas: Logo, flashbacks
irão mostrar quem esses homens são, o quão sofrido é o contexto da vida de cada
um, e quais foram os imprevistos fatores que os levaram àquela cela de prisão.
Babenco promove uma
inusitada união entre elementos que soavam incompatíveis na época: O relutante,
precário e rudimentar cinema brasileiro realizado à duras penas nos anos 1980,
e o cinema comercial norte-americano e seus esforços para alcançar alguma
qualidade artística. Do cinema brasileiro, Babenco extrai a ambientação suja, o
linguajar despudorado e despojado, a percepção do vulgar e do suburbano
–aspectos que ele já soube enfatizar em “Pixote-A Lei do Mais Fraco”. Do cinema
americano, ele tira os astros Raul Julia e William Hurt, ambos impecáveis –e
coadjuvados por um notável elenco de grandes atores nacionais do período –e um
distanciamento algo prepotente das mazelas políticas, físicas e metafísicas do
Terceiro Mundo, por meio do qual torna palatável a narração sem muitas
concessões ao consolo dessas tragédias humanas.
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