quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Femme Fatale

O diretor Brian De Palma construiu toda uma carreira amparada num estilo peculiar no qual seu suspense reverenciava –e sob um certo viés, aprimorava –as características herdadas de grandes influências como Alfred Hitchcock ou Michelangelo Antonioni. A veracidade dessa afirmação transforma “Femme Fatale” num exemplar profundamente significativo em sua filmografia, uma vez que ele representa ser um compêndio de todas essas orientações que definiram De Palma como cineasta nas últimas quatro décadas.
Com efeito, a trama, confusa e improvável, acaba sendo o de menos neste filme onde ele exercita sua maneira particular de enxergar a construção do suspense e explora as inúmeras variações do cinema que criou –e que, não obstante ter se originado a partir de referências declaradas, gerou assim toda uma obra de luz própria. Soa como um ineditismo próprio e único de De Palma, por exemplo, quando sua narrativa ousa empregar recursos em voga desde os anos 1970 (porém, desde então deixados de lado), como a divisão de tela.
Audacioso, atrevido e um tanto sarcástico, De Palma já inicia seu filme numa saborosa brincadeira de metalinguagem: Numa noite de estréia do Festival de Cannes, na França –e a metalinguagem não é, de modo algum, algo inédito na obra de De Palma, vide “Um Tiro Na Noite” ou “Dublê de Corpo”. Enquanto o diretor registra de forma convincente e autêntica os bastidores de um festival tão importante aos cinéfilos, algo igualmente excitante se dá às escondidas. Uma das funcionárias da segurança (vivida pela sensual Rebbeca Romjin-Stamos, a Mística de “X-Men O Filme”) seduz uma modelo que, por acaso, está usando um conjunto de jóias caríssimas –e as câmeras de De Palma não têm pudor em flagrar com voyeurismo as minúcias desse interlúdio sexual lésbico.
Logo, alguns personagens revelam sua intenção: A de Rebbeca, no caso, é a de contribuir no roubo desse mesmo conjunto de jóias –o quê se opera numa seqüência montada e executada com a maestria que se espera do diretor.
De Palma leva seu filme a saltar de um gancho narrativo a outro, menos incomodado em ser plausível, e mais em ser imprevisível: Seguem-se então as inevitáveis desconfianças entre os cúmplices do roubo milionário, e em seguida, as sintomáticas traições.
Em algum momento dessa salada de perseguições, tramóias mirabolantes, assassinatos e identidades falsificadas –De Palma se sai até com uma sósia da personagem de Rebbeca em determinado ponto! –surge o que parece ser o protagonista de fato. E Antonio Banderas faz com bastante propriedade e presença de cena, um fotógrafo paparazzi que entra numa grande encrenca quando fotografa uma mulher ao acaso: Mais tarde, ele (assim como a platéia) descobre que ela não somente é esposa de um embaixador (Peter Coyote), como também é a personagem cheia de surpresas de Rebbeca Romjin-Stamos junto de quem iniciamos o filme.
A tendência de qualquer expectador normal seria a de procurar pela lógica nessa trama pontuada por reviravoltas absurdas –e embora seja um tênue fio condutor existe alguma coerência a interligar tudo –mas, esses detalhes não interessam ao diretor: Após uma longa carreira onde se provou em diversos gêneros, estilos e temas, De Palma quer mesmo é colocar no filme tudo que o excita e o fascina, sem ligar muito se a conexão narrativa entre esses elementos parece desvairada. Durante grande parte de sua duração –sobretudo, após a introdução do personagem de Banderas –“Femme Fatale” faz jus ao seu título, tornando a personagem de Rebbeca tão efusivamente atraente e sexy quanto conclusivamente encrenqueira e problemática: Ela leva ao extremo a expressão na qual uma mulher transforma a vida de um cara num inferno!
Isso, contudo, só até os vinte minutos finais, quando De Palma se sai com um dos plot twists mais insanos e inacreditáveis de todos os tempos, ao alterar completamente as perspectivas de seu filme –e, no processo, até mesmo promover o que parece ser uma mudança na índole de sua protagonista.
Nas mãos de outro diretor, isso tudo soaria exorbitante, precipitado, absurdo e incoerente, nas mãos de De Palma, entretanto, é um testemunho de todas as ferramentas e os reflexos involuntários de um gênero que ele domina como nenhum outro, e que em sua habilidade incomum, ele consegue transformar num passatempo muito saboroso.

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