Um raríssimo exemplar do cinema sérvio, ao lado
do belíssimo “Luna Papa”, a conseguir romper a resistência do circuito
comercial a trabalhos de procedência incomum, esta notável e considerável
realização chegou às telas de cinemas e às videolocadoras no final dos anos
1990 –algo bastante impressionante se parar para pensar na difícil
acessibilidade daqueles tempos.
Talvez por isso sua linguagem e sua natureza
cultural sejam tão distintas e contrastantes com as obras do período; quando
muito, as produções oriundas daquele cinema que chegavam até aqui eram os
elogiadíssimos filmes de Emir Kusturica. No entanto, o diretor Srdjan
Dragojevic realizou um trabalho vigoroso e de invejável fôlego narrativo,
demonstrando o quão inventivo e vívido é o cinema praticado em cantos do mundo
que, por um bom tempo e mesmo ainda hoje, permanecem desconhecidos para a
grande maioria dos expectadores.
A primeira cena de “Bela Aldeia, Bela Chama”
mostra as precipitadas comemorações da inauguração das construções de um túnel
(cenário que, mais a frente, ocupará o centro do drama), do corte no dedo pela
tesoura quando é cortada a fita vermelha até o detalhe de que esta é uma
construção –e não um monumento de fato –a narrativa do diretor Dragojevic
enfatiza, nesse prólogo, o descaso e a distração com que as prioridades
políticas e sociais são deixadas de lado em função da festividade.
No notável filme que se inicia a seguir, três
linhas distintas de tempo se sucedem a preencher as lacunas da dramaturgia que
o diretor constrói: Numa acompanhamos a amizade entre o sérvio Milan e o
muçulmano Halil durante a juventude pontuada por farra, cerveja e galhofa;
noutra, em 1992, os dois amigos já estão em lados opostos de um conflito que se
concentra naquele mesmo túnel inacabado entre Belgrado e Zagreb, quando os
muçulmanos conseguem acuar um grupo de sérvios dentro das precárias instalações
e a passagem do tempo vai fazendo-os definhar física e psicologicamente; na
terceira linha, os mesmos personagens (ao menos, os que sobreviveram) se
encontram num hospital, em recuperação das severas seqüelas físicas desse
episódio, inclusive Milan, enquanto tentam tolerar a presença de um enfermo
prisioneiro de guerra muçulmano.
Dotado de admirável empuxo narrativo para com
as conduções simultâneas de diferentes linhas de tempo –o quê demonstra uma
subestimada competência da parte dos realizadores daquela região –este filme
cheio de energia e senso de observação expõe os conflituosos flagelos íntimos
que a guerra termina impondo ao homem comum.
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