Dando continuidade ao seu propósito como
cineasta de enaltecer o obscuro e o indesejado, Tim Burton optou, nesta segunda
colaboração com Johnny Depp (o primeiro foi o sensacional “Edward-Mãos de
Tesouras”) uma fonte inesperada: Nada de criaturas fantásticas ou seres
macabros, nada de histórias fantasiosas ou tramas sobrenaturais, o tema deste
filme é a vida e a carreira daquele considerado o “pior diretor de todos os
tempos”, Ed Wood –isso, pelo menos, até Tommy Wiseau tirar o posto de Pior
Filme de Todos os Tempos de seu “Plan 9 From The Other Space” com “The Room”,
mas essa é outra história...
Edward Davis Wood Jr. (vivido com maneirismo e
brilho por Depp) é, como todo profissional apaixonado por seu ofício, um
entusiasta. Tamanha é sua paixão que, nos percalços para conseguir realizar um
filme, Wood não se dá conta da qualidade rasteira do que produz –isso para ele
parece ser o de menos. E é o de menos também para o diretor Burton e para o
roteiro escrito por Scott Alexander e Larry Karaszewski (que depois escreveriam
também o ótimo “O Povo Contra Larry Flint”): Em seu relato, ganha destaque a fauna
exótica e notável –e plenamente identificável com as criaturas estranhas pelas
quais Burton nutre admiração –de colaboradores que Ed Wood reúne ao seu redor,
que contribuem à frente e atrás das câmeras para realizar seus filmes, mas
também agem como uma família disfuncional com suas peculiaridades e manias.
Entre eles, está o outrora astro Bela Lugosi,
em fase decadente (personificado com irônica sensibilidade por Martin Landau,
ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), que se torna uma presença
constante em alguns dos trabalhos de Wood.
Acima de tudo, o filme é uma oportunidade para
observar Burton, cujo registro cinematográfico quase sempre prima pelo fantasioso,
narrar acontecimentos reais e ainda mais impregnados pela afeição em comum da
metalinguagem –nesse sentido, apesar do inusitado da afirmação, “Ed Wood” é
como se fosse o seu “8 e ½“: São hilárias as cenas em que Ed Wood executa suas
filmagens displicentes (como quando um ator, atacado em cena pelo que deveria
ser um monstro tentacular, tem de movimentar os tentáculos com suas próprias
mãos), ou os erros crassos que entravam mesmo assim nos filmes (quando George
Steele, um de seus atores, muito grande para interpretar um morto-vivo que sai
do túmulo, entala no caixão; ele pede ajuda e dois contra-regras vão lá segurar
seus braços enquanto Wood ordena ao câmera que “Continue filmando! Continue
filmando!”), as descobertas das manias cada vez mais excêntricas (o hábito de
vestir-se de mulher que culminou na realização de “Glenn Or Glenda”, e a
resignada aceitação da esposa, vivida por Patrícia Arquette, a mais esse
desvio) e até a breve cena em que ele troca uma idéia com Orson Welles (Vincent
D’Onofrio), o que lhe dá motivação e inspiração para fazer o seu próprio
“Cidadão Kane”; justamente o Pior Filme de Todos Os Tempos, “Plan 9 From The
Outher Space” –que Wood realizou com energia e fôlego, completamente ignorante
da ruindade atroz de sua produção.
Bem no fundo, Tim Burton parece se identificar
com Ed Wood exatamente nisso: No fato incontornável de que o criador apaixonado
não consegue quantificar o amor de seus expectadores, somente o seu próprio,
durante o ato de criação.
Daí o fato de “Ed Wood” ser filmado em um
belíssimo preto & branco –não há, afinal, meio-termo na concepção de uma
arte como o cinema, cujo combustível é, quase sempre, o amor incondicional de
seus artesões.
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