sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Ed Wood

Dando continuidade ao seu propósito como cineasta de enaltecer o obscuro e o indesejado, Tim Burton optou, nesta segunda colaboração com Johnny Depp (o primeiro foi o sensacional “Edward-Mãos de Tesouras”) uma fonte inesperada: Nada de criaturas fantásticas ou seres macabros, nada de histórias fantasiosas ou tramas sobrenaturais, o tema deste filme é a vida e a carreira daquele considerado o “pior diretor de todos os tempos”, Ed Wood –isso, pelo menos, até Tommy Wiseau tirar o posto de Pior Filme de Todos os Tempos de seu “Plan 9 From The Other Space” com “The Room”, mas essa é outra história...
Edward Davis Wood Jr. (vivido com maneirismo e brilho por Depp) é, como todo profissional apaixonado por seu ofício, um entusiasta. Tamanha é sua paixão que, nos percalços para conseguir realizar um filme, Wood não se dá conta da qualidade rasteira do que produz –isso para ele parece ser o de menos. E é o de menos também para o diretor Burton e para o roteiro escrito por Scott Alexander e Larry Karaszewski (que depois escreveriam também o ótimo “O Povo Contra Larry Flint”): Em seu relato, ganha destaque a fauna exótica e notável –e plenamente identificável com as criaturas estranhas pelas quais Burton nutre admiração –de colaboradores que Ed Wood reúne ao seu redor, que contribuem à frente e atrás das câmeras para realizar seus filmes, mas também agem como uma família disfuncional com suas peculiaridades e manias.
Entre eles, está o outrora astro Bela Lugosi, em fase decadente (personificado com irônica sensibilidade por Martin Landau, ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), que se torna uma presença constante em alguns dos trabalhos de Wood.
Acima de tudo, o filme é uma oportunidade para observar Burton, cujo registro cinematográfico quase sempre prima pelo fantasioso, narrar acontecimentos reais e ainda mais impregnados pela afeição em comum da metalinguagem –nesse sentido, apesar do inusitado da afirmação, “Ed Wood” é como se fosse o seu “8 e ½“: São hilárias as cenas em que Ed Wood executa suas filmagens displicentes (como quando um ator, atacado em cena pelo que deveria ser um monstro tentacular, tem de movimentar os tentáculos com suas próprias mãos), ou os erros crassos que entravam mesmo assim nos filmes (quando George Steele, um de seus atores, muito grande para interpretar um morto-vivo que sai do túmulo, entala no caixão; ele pede ajuda e dois contra-regras vão lá segurar seus braços enquanto Wood ordena ao câmera que “Continue filmando! Continue filmando!”), as descobertas das manias cada vez mais excêntricas (o hábito de vestir-se de mulher que culminou na realização de “Glenn Or Glenda”, e a resignada aceitação da esposa, vivida por Patrícia Arquette, a mais esse desvio) e até a breve cena em que ele troca uma idéia com Orson Welles (Vincent D’Onofrio), o que lhe dá motivação e inspiração para fazer o seu próprio “Cidadão Kane”; justamente o Pior Filme de Todos Os Tempos, “Plan 9 From The Outher Space” –que Wood realizou com energia e fôlego, completamente ignorante da ruindade atroz de sua produção.
Bem no fundo, Tim Burton parece se identificar com Ed Wood exatamente nisso: No fato incontornável de que o criador apaixonado não consegue quantificar o amor de seus expectadores, somente o seu próprio, durante o ato de criação.

Daí o fato de “Ed Wood” ser filmado em um belíssimo preto & branco –não há, afinal, meio-termo na concepção de uma arte como o cinema, cujo combustível é, quase sempre, o amor incondicional de seus artesões.

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