quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O Samurai

A frase que abre o filme, extraída do Bushido, o livro dos samurais, já tem por objetivo definir o personagem: “Não há solidão maior que a do samurai, exceto, talvez, a do tigre em sua selva.”
De fato, o filme de Jean Pierre Melville insiste em capturar seu protagonista em sua densa solidão, ostentando um semblante taciturno e imponente a exemplo dos guerreiros japoneses dos filmes do mestre Akira Kurosawa.
Como um samurai, Jef Costello (Alain Delon, em impetuosa compenetração) é um profissional metódico. Dentro de seu ofício (ao que parece, assassino de aluguel), ele segue um código rígido e pessoal de honra. Solitário, como um tigre na selva, ele tem conhecimento de cada meandro da cosmopolita Paris em que o diretor ambienta sua jornada.
Absolutamente inclinado à postura de seu personagem, o diretor envolve todo o longo trecho de abertura na primazia do silêncio –mesmo quando os diálogos enfim aflorarem na trama, Costello permanecerá calado a maior parte do tempo.
As primeiras falas acontecem quando o filme já conta seus quinze minutos. Até lá, Melville introduz seu protagonista inabalável ao público: Ele acorda em seu árido apartamento, na exclusiva companhia de um canário (que curiosamente será fundamental, mais a frente, para o desenlace de uma situação do protagonista). Rouba um carro. Aparenta seguir um itinerário específico para um plano ainda nebuloso.
Logo não será: Ao entrar num clube noturno, Costello alveja de tiros um homem desconhecido; esta é sua encomenda.
A fuga das investigações policiais que se seguem imediatamente ao homicídio ocupa o filme a partir daí até quase a sua metade: Melville mostra o quanto Costello ponderou e antecipou as ações da polícia montando um álibi plausível. Ainda assim, ele não escapa da suspeita puramente intuitiva de um chefe de polícia (François Périer) que não irá medir escrúpulos para tentar capturá-lo. Ao mesmo tempo em que tenta se desvencilhar desse perseguidor –trecho no qual Melville emprega os mais sensacionais artifícios dos filmes de suspense e espionagem –Costello também tem de lidar com um fator inesperado: A traição dos próprios contratadores que encomendaram o serviço e que agora, por razões misteriosas, o querem morto.
Pairando pelas cenas com uma sutileza magnética, o protagonista segue de seqüência em seqüência, de contratempo em contratempo, singrando com experiência e profissionalismo o caudaloso território de crime que representa ser aquele submundo.
Eis aí a grande sacada de Jean Pierre Melville: Compartilhar com a platéia um sentimento genuíno de admiração e fascínio por aquele personagem imerso num mundo regido por seus próprios códigos.

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