Uma das mais sensacionais aventuras
protagonizadas por Arnold Schwarzenegger, “Total Recall” talvez tenha sido o
primeiro blockbuster a unir o kistch desavergonhado e charmoso dos anos 1980
com o cinismo (já típico no cinema do holandês Paul Verhoeven) que viria a
definir uma certa postura da indústria nos anos 1990.
Como muitos filmes fantasiosos daquele período,
“O Vingador do Futuro” exige certa cumplicidade dos expectadores de hoje, certo
entendimento da maneira precariamente incisiva com que eram realizadas e
compreendidas as coisas.
Só essa consideração já viabiliza em si a
presença de Schwarzenegger interpretando um operário da construção civil no
futuro –papel de homem comum que, em si, soaria incabível a alguém como ele,
mas que o filme de Verhoeven faz com que seja uma das razões para a diversão.
Schwarzenegger é assim Douglas Quaid. Morador
do planeta Terra do ano de 2048, casado com a bela e estranhamente
condescendente Lori (Sharon Stone, pouco antes do sucesso de “Instinto
Selvagem”, por sinal, do mesmo Verhoeven), ele começa a perceber estranhos
indícios de que a vida que vive não lhe parece bastar.
Movido por essa despropositada indignação,
Quaid decide encarar um inovador "pacote de férias" onde ao invés de
uma dispendiosa viagem, a companhia encarregada lhe proporciona implantes de
memória destinados a simular uma viagem para qualquer lugar do sistema solar.
Quaid escolhe ir para Marte, no entanto, algo
sai errado e ele se vê perseguido por misteriosos agentes, muitos interessados
em matá-lo de uma vez.
Ao que tudo indica, já haviam outros implantes
de memória em sua mente, e ele nunca foi um mero operário. Em busca de
respostas ele ruma para o planeta Marte de fato, onde um importante papel numa
insurreição o aguarda.
Para os padrões de filmes que Schwarzenegger
havia protagonizado –e mais ainda, para os padrões da platéia que ele construiu
com esses filmes –a trama de “O Vingador do Futuro” é demasiada complexa e intrincada;
e sendo ela baseada em livro de Phillip K. Dick, com seus costumeiros
questionamentos sobre quem e o que somos, não poderia ser mesmo diferente.
A junção de facetas tão aparentemente
incompatíveis (um roteiro melindroso cheio de ramificações e reviravoltas que
confundem a elucidação e um filme de ação de aparência descerebrada, com um
astro de filmes de ação notoriamente descerebrados) parece ser, contudo, o
grande diferencial em torno do qual o diretor Paul Verhoeven revela de fato
entusiasmo em trabalhar: A partir desses elementos absolutamente
desconcertantes no que tange a um filme de intenções tão assumidamente
comerciais, o holandês maluco entrega um filme sanguinolento, ágil, sensual e
repleto de variados e à época realmente impressionantes efeitos especiais.
Ao orquestrar, em 2012, um corre-corre
frenético abarrotado de efeitos especiais que buscava refilmar o sucesso dos
anos 1990 com Schwarzenegger, o diretor Len Wiseman (de “Anjos da Noite”)
realizou um produto comercial –exemplo perfeito do tipo de cinema que ele
exerce –assombrado por diversas outras obras além daquela que ele tentou
atualizar: Também oriundos da mente do escritor Phillip K. Dick, “Blade Runner”
e “Minority Report” são talvez ainda mais determinantes para as opções visuais
encontradas aqui, assim como a trama rocambolesca (ou talvez, pretensamente
rocambolesca) costurada ao redor de mistérios nebulosos da mente que busca
remeter à atmosfera hipnótica de “A Origem”.
Se Paul Verhoeven abraçou o inusitado de seu
filme como uma escolha convicta de estilo, Wiseman quer optar vaidosamente pela
elegância: No papel que antes soou tão desigual em Schwarzenegger aqui está o
(bom) ator Colin Farrell que, justamente por sua adequação, nada acrescenta ao
personagem.
A trama continua a se ambientar num futuro
distante (e as maravilhas tecnológicas, agora materializadas por efeitos
digitais de última geração, cuidam de distanciar ainda mais esse mundo da
realidade). Nada de Marte desta vez: Por mais que a Terra encontre-se quase inabitável,
as únicas regiões povoadas do planeta são a F.U.B. (a metrópole rica e
elitizada) e a "Colônia" (uma espécie de favela high-tech), ambas
conectadas por um grande elevador que atravessa o núcleo do planeta.
Em meio a uma dissidência entre o governo
opressor que impõe subserviência ao proletariado e a resistência daqueles que
buscam igualdade, o operário Doug Quaid (Farrell) descobre que as memórias que
possuía até então lhe foram implantadas, e que sua real identidade é a de um
importante agente da resistência, o quê pode explicar a violenta perseguição da
qual ele passa a ser vítima.
A diferença mais pontual entre os dois filmes
(e a que têm mais inspiração também) surge aí. A melhor sacada de Wiseman foi
fundir dois personagens do filme anterior num só: O perseguidor vilanesco
vivido por Michael Ironside e a esposa de embuste interpretada por Sharon Stone
são combinados na personagem sarcástica, implacável e divertida de Kate
Beckinsale (por sinal, esposa de Len Wiseman e também protagonista de “Anjos da
Noite”).
Pena que, talvez como conseqüência disso, os
outros personagens careçam tanto de brilho: A mocinha tão bem intencionada que
dá sono de Jessica Biel (particularmente muito má empregada na reformulação de
uma das cenas mais interessantes do filme original) e o líder dos
perseguidores, um vilão completamente raso vivido pelo normalmente excelente
Bryan Cranston.
Este novo “Total Recall” foge dos enigmas
intrincados do filme anterior, optando por uma trama de perseguição que, em sua
maior parte, soa mais inteligível e acessível. E todas as escolhas do diretor
Wiseman vão, aos poucos, impondo uma atmosfera que de fato afasta-se do
trabalho de Verhoeven.
Entretanto, chega um ponto em que Wiseman
precisa e deve dizer a quê seu filme veio afinal –é quando o novo “Vingador do
Futuro” dá suas mais espetaculares escorregadas: Se o tom kistch imposto pelo
diretor Verhoeven funcionava muito bem no filme de 1990, aqui a seriedade de Len
Wiseman lhe tira muito da graça que poderia ter tido.
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