terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Tepepa

Cultuado, entre outras coisas por trazer uma inusitada participação pra lá de especial de Orson Welles –já em decadência, o quê explica sua presença algo displicente, quase bêbado e alheio, nesta produção –este filme possui elementos intrigantes na construção psicológica de seus protagonistas que deixam muitos de seus expectadores divididos entre a possibilidade disso ser uma audaciosa sacada de original ambigüidade ou um desleixo para com algumas motivações que podem francamente flertar com a incoerência.
Um pouco dos dois.
No decurso da tumultuada revolução mexicana, um médico norte-americano (John Steiner) chega ao México com a intenção nada altruísta de vingar-se pelo suposto estupro da bela esposa. O autor de tal crime bárbaro, segundo ele, é o líder revolucionário Tepepa (o ótimo Tomas Millian), que por sua vez, do alto de sua persona carismática e idolatrada, nega veementemente o crime, embora seja perceptível, mais tarde, que suas afirmações passam longe da sinceridade.
A disputa mortal entre esses dois personagens gira em torno desse antagonismo, revestindo este notável faroeste spaghetti, com uma distinta abordagem do conceito de “duelo”: Steiner, na postura que assume desde a primeira cena é, assim sendo, uma alegoria da burguesia limpa e ariana, trazida até as poeirentas pradarias da América Central por uma intenção egoísta de vingança; Tomas Millian é, portanto, o latino corrupto imerso em vícios e exagerado na pantomina que esboça em diferentes ocasiões, mas é também o guia que buscará conduzir seu povo a uma vida melhor (seu primeiro nome, Jesus!), mesmo que sua cruzada seja pontuada por sangue, caos e até mesmo outras formas de opressão e injustiça.
O italiano Giulio Petroni fala sobre os americanos de uma maneira muito mais imparcial e incisiva do que seria se fossem eles mesmos a frente desse gênero que a eles pertenceu. Apesar dos pesares, o faroeste spaghetti assume aqui, nesta obra imperfeita, uma função que seus detratores jamais imaginariam: A percepção, enquanto entretenimento, das facetas de vilania no ato da intervenção; o personagem de Orson Welles –no papel ligeiramente negligenciado pelo próprio interprete de chefe dos soldados locais –seria assim um ponto de equilíbrio entre os personagens principais, no qual se nota a predisposição rancorosa para o despotismo e ao mesmo tempo a desenvoltura política para a contradição.
No entanto, são as personalidades de John Steiner, o médico, e de Tepepa que irão travar alianças e traições sistemáticas em sua dinâmica ao longo do filme, num recurso empregado com brilhantismo inquestionável por Sergio Leone, mas que aqui, no trabalho do diretor Giulio Petroni, encontra lá suas deficiências narrativas.
O final –a despeito do filme ter lá chegado por meios discutíveis e incoerentes –coloca Tepepa como uma espécie de espírito do México.
É essa abordagem algo folclórica e regional (e inesperadamente emocionante), além da presença constrangida e constrangedora de Orson Welles que faz do filme uma obra tão incomum.

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