Cultuado, entre outras coisas por trazer uma
inusitada participação pra lá de especial de Orson Welles –já em decadência, o
quê explica sua presença algo displicente, quase bêbado e alheio, nesta
produção –este filme possui elementos intrigantes na construção psicológica de
seus protagonistas que deixam muitos de seus expectadores divididos entre a
possibilidade disso ser uma audaciosa sacada de original ambigüidade ou um
desleixo para com algumas motivações que podem francamente flertar com a
incoerência.
Um pouco dos dois.
No decurso da tumultuada revolução mexicana, um
médico norte-americano (John Steiner) chega ao México com a intenção nada
altruísta de vingar-se pelo suposto estupro da bela esposa. O autor de tal
crime bárbaro, segundo ele, é o líder revolucionário Tepepa (o ótimo Tomas
Millian), que por sua vez, do alto de sua persona carismática e idolatrada,
nega veementemente o crime, embora seja perceptível, mais tarde, que suas
afirmações passam longe da sinceridade.
A disputa mortal entre esses dois personagens
gira em torno desse antagonismo, revestindo este notável faroeste spaghetti,
com uma distinta abordagem do conceito de “duelo”: Steiner, na postura que
assume desde a primeira cena é, assim sendo, uma alegoria da burguesia limpa e
ariana, trazida até as poeirentas pradarias da América Central por uma intenção
egoísta de vingança; Tomas Millian é, portanto, o latino corrupto imerso em
vícios e exagerado na pantomina que esboça em diferentes ocasiões, mas é também
o guia que buscará conduzir seu povo a uma vida melhor (seu primeiro nome,
Jesus!), mesmo que sua cruzada seja pontuada por sangue, caos e até mesmo
outras formas de opressão e injustiça.
O italiano Giulio Petroni fala sobre os
americanos de uma maneira muito mais imparcial e incisiva do que seria se
fossem eles mesmos a frente desse gênero que a eles pertenceu. Apesar dos
pesares, o faroeste spaghetti assume aqui, nesta obra imperfeita, uma função
que seus detratores jamais imaginariam: A percepção, enquanto entretenimento,
das facetas de vilania no ato da intervenção; o personagem de Orson Welles –no
papel ligeiramente negligenciado pelo próprio interprete de chefe dos soldados
locais –seria assim um ponto de equilíbrio entre os personagens principais, no
qual se nota a predisposição rancorosa para o despotismo e ao mesmo tempo a
desenvoltura política para a contradição.
No entanto, são as personalidades de John
Steiner, o médico, e de Tepepa que irão travar alianças e traições sistemáticas
em sua dinâmica ao longo do filme, num recurso empregado com brilhantismo
inquestionável por Sergio Leone, mas que aqui, no trabalho do diretor Giulio
Petroni, encontra lá suas deficiências narrativas.
O final –a despeito do filme ter lá chegado por
meios discutíveis e incoerentes –coloca Tepepa como uma espécie de espírito do
México.
É essa abordagem algo folclórica
e regional (e inesperadamente emocionante), além da presença constrangida e
constrangedora de Orson Welles que faz do filme uma obra tão incomum.
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