Existem algumas presenças que engrandecem um
filme, que o removem da mediocridade e o tornam relevantes, dignos de atenção e
de apreciação.
Esse é o caso de “Susie e Os Baker Boys”. Ele
até teve quatro indicações ao Oscar –entre as quais de Melhor Fotografia para o
habilidoso Michael Balhaus –mas, o dado realmente significativo dele, e que o
torna o grande filme que é se chama Michelle Pfeifer.
Daquelas atrizes raras que unem beleza
acachapante e um talento capaz e real, ela ostenta aqui outra coisa talvez
ainda mais inapreensível: Uma espécie de magnetismo que parece atrair para si e
para sua personagem não somente o olhar da câmera, mas também o interesse do
expectador.
Podem chamar de carisma, podem chamar de
fotogenia ou de sex-appeal, mas seja o que for, poucas ostentaram em um filme
de forma tal ofuscante e arrebatadora quanto ela.
Na narrativa do diretor Steve Kloves
(roteirista de “Garotos Incríveis” e “Harry Potter e A Pedra Filosofal”), esse
banquete para os olhos não é servido de imediato ao expectador: Ele se demora
em outros coadjuvantes que, de uma certa maneira, são também os protagonistas
reais do filme, os Baker Boys.
Uma dupla de irmãos pianistas composta por Jack
e Frank Baker (Jeff e Beau Bridges, irmãos na vida real), os chamados Baker
Boys enfrentam uma fase de vacas magras comum na profissão de artista que vive
noite após noite, de apresentação em apresentação. Seu repertório musical já
não interessa mais tanto aos clubes noturnos de Seattle. As chamadas para shows
se reduzem. Eles precisam diversificar.
Afável, Frank sabe que contratar uma cantora
pode ampliar suas chances de lucrar, tornando seu show mais variado –e como pai
de família, ele também se mostra mais alarmado com o baixo rendimento do
ofício. Jack, porém, não gosta da idéia, taciturno, arredio e artisticamente
acomodado, ele não se satisfaz com a possibilidade de alguém desconhecido
entrar e interferir na dinâmica profissional e pessoal que ele mantinha com o
irmão (a qual, aos trancos e barrancos, eles até que levavam bem).
Os testes sucessivos para as candidatas que se
apresentam são frustrantes.
Até que surge a personagem que cataliza todas as
atenções do filme: A ex-call girl Susie Diamond que, do início ao fim da
produção, Michelle Pfeifer interpreta com fulgor genuíno e irreprimível.
Como cantora, Susie é talentosa (ainda que
espalhafatosa), e como mulher, ela é deslumbrante (ainda que desbocada e
visivelmente selvagem).
Agora um trio, eles obtém uma sobrevida
profissional que antes não tinham atuando separados. A relação entre Susie e
Frank é constantemente fraterna, oscilando entre implicância, camaradagem e
indiferença.
Com Jack a situação é outra. Há uma nítida
atração, ainda que ambos saibam que envolver-se num momento em que a parceria
profissional está dando certo não seja uma boa idéia.
Isso acontece numa ocasião em que Frank tem de
se ausentar, deixando Jack e Susie sozinhos para se apresentar em uma excursão
num hotel de luxo –e a cena de Michelle Pfeifer cantando deitada no piano é uma
imagem de uma sensualidade e de uma sedução que chega a ser assombrosa!
A condução do diretor Kloves –aqui estreando no
ofício –não encontra oportunidades para expressar alguma personalidade mais
forte ou um estilo mais marcante, no entanto, ele tem bom senso o suficiente
para deixar que seus ótimos personagens assumam inteiramente o cerne da
narrativa a despeito do enredo banal e previsível que os norteia; pois sabemos
desde o início os desdobramentos que surgirão na relação entre Susie e Jack, e
que eles irão esbarrar na própria relação entre Jack e seu irmão e até mesmo na
questão pertinente do quão explorado e exploratório é o uso do artista por sua
arte.
A narrativa de Kloves
passeia por esses tópicos com a leveza de um filme de aventura, deixando de se
aprofundar em questões que poderiam fazer dele um grande filme. Se ao fim ainda
resta algo que o torne uma obra memorável, certamente é Michelle Pfeifer e sua
composição devastadora, a um só tempo sexy, empática e polivalente (é ela mesma
quem canta as músicas do filme), a grande e verdadeira estrela deste filme satisfatório sobre os tortuosos caminhos da vida e da arte.
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