segunda-feira, 9 de abril de 2018

Morte Em Veneza

Um dos trabalhos de postura mais intensa e pessoal –e, talvez por isso, um bocado inacessível –de Luchino Visconti é esta sua versão de “Morte em Veneza” onde ele discorre de formas rebuscadas sobre a arte, o desejo, a mortalidade e um sem fim de angústias que acomete a reflexão dos cerebrais artistas de elite.
Sua essência é a caminhada de Aschenbach (o grande Dirk Bogarde) em direção ao seu fim, pontuado pela angústia metafísica (justaposta às lembranças de suas dissertações intelectuais) de encontrar a materialização da beleza no garoto Tadzio, durante uma estadia em um hotel em Veneza.
Principia-se o século XX –e a Primeira Guerra Mundial é uma catástrofe alegoricamente próxima –e Veneza, a despeito da rotina burguesa de Aschenbach e da família de Tadzio, se encontra assolada por uma epidemia de cólera.
Embora seu instinto e bom senso lhe digam para partir –e tais planos são, de fato, verbalizados e postos em prática –Aschenbach se vê constantemente afetado pela visão de Tadzio a ponto de perder-se na própria aflição e, em dado momento, buscar ele próprio por uma juventude que se foi: Aschenbach se vale dos recursos do salão de cabeleireiro do hotel para tentar rejuvenescer por meio desse esteticismo, mas tudo o que consegue, com seus cabelos pintados e sua maquiagem carregada, é parecer patético.
Incapaz de compreender as circunstâncias da própria degeneração, Aschenbach sente os primeiros sintomas da febre –a doença que ele contraiu na insistência de resfolegar um sentimento inalcançável. Ao redor de seu protagonista, Visconti registra a própria Veneza progressivamente se deteriorar, numa metáfora que ele conduziu por boa parte de sua carreira (sobretudo, seus últimos trabalhos): A morte premeditada de toda uma mentalidade e todo um modo de vida, representada na decrepitude iminente ainda que para ele imperceptível de seu personagem principal e, junto com ele, de todo o cenário à sua volta.
Nessa entrecruzada rede de referências artísticas e intelectuais, Visconti dá curiosa ênfase ao detalhe musical: O protagonista Aschenbach é compositor; fazendo dele um inusitado reflexo de Gustav Malher, compositor erudito cuja “Sinfonia N° 5” pontua as seqüências a ponto de nelas ser quase onipresente.
Na filmografia de Visconti, o verdadeiro drama está em adquirir a capacidade de divisar a real beleza apenas quando já se está tarde demais.

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