É um momento quase bucólico aquele em que o filme
de Hideyuki Hirayama se inicia: Uma apresentação kabuki de uma peça clássica
para o jovem senhor feudal e seu séqüito.
O diretor nos leva a reparar num detalhe que,
pouco a pouco, fará uma poderosa diferença: Quando a apresentação acaba, é sua
consorte, Lady Renko (Megumi Seki), quem aplaude primeiro, antes de todos os
outros –antes mesmo de seu senhor.
Só perceberemos que esse é um detalhe
fundamental mais tarde, depois que o capitão de infantaria, Sanzaemon, num ato
que em princípio parece de loucura, tiver atacado Lady Renko e tirado sua vida.
Sanzaemon (interpretado com sobriedade e
dignidade por Etsushi Toyokawa) está, portanto, preso. As alternativas para sua
sentença são o harakiri (suicídio por honra) ou a mera decapitação.
Contra todas as probabilidades, não é a nenhum
dos dois que ele é imposto: O senhor feudal, aparentemente, tomado de uma
improvável austeridade, lhe sentenciou a um ano de prisão domiciliar.
Durante esse tempo, a narrativa irá oscilar
entre a penitência particular de Sanzaemon (consciente do crime que cometeu),
os flashbacks que irão elucidar sem quaisquer dúvidas as razões para o que ele
fez, e o desabrochar de sua relação com a sobrinha, Rio (Chizuru Ikewaki), o
único membro familiar e leal que lhe restou.
Escritor por Shuhei Fujisawa, autor do
magnífico roteiro de “O Samurai do Entardecer”, esta grande obra concebida em
baixa voltagem conduz as diversas facetas de seu relato íntimo por regiões
povoadas por relacionamentos e dinâmicas complexas: Em especial, as
circunstâncias tóxicas com as quais vemos a consorte perversa deturpar a
liderança de seu imaturo e apaixonado senhor feudal em favor de suas próprias
intenções de tirania –e que levam o honrado samurai Sanzaemon, expectador
calado de tudo isso, a tomar uma atitude drástica –e a relação entre o tio e a
sobrinha que, do bem querer familiar, progride com sutileza para um caso de
amor incestuoso; ainda que a narrativa evite com habilidade os ares
escandalosos de tabu que isso poderia suscitar.
Outros personagens ganham estatura à medida que
a trama se metamorfoseia: Lorde Tsuda (Ittoku Kishibe) cujo excesso
injustificado de benevolência para com Sanzaemon e seu destino terminam
revelando uma conspiração inesperada e cruel; e Lorde Obiya (Kôji Kikkawa), o
único aparente opositor dos rumos imprudentes acarretados pelo senhor feudal e
sua adoração pela mulher errada.
São pontas soltas que se unirão num único
enredo, arrematado com primor, no devido tempo.
Hirayama conduz seu filme com tranqüilidade e
envolvimento enredando o expectador em seus personagens interessantes
construídos com zelo até culminar nos impecáveis vinte minutos finais, onde ele
dá uma guinada no tom que havia estabelecido e faz deste um filme de samurais
de fato: Como os grandes artesãos, um dos méritos superlativos de seu trabalho
é criar todo um alicerce aprofundado sobre o qual o público compreende e
conhece seu protagonista, para então, ao arremessá-lo na espetacular cena de
tensão e luta concebida em seu clímax, intensificar em níveis ainda maiores o
suspense e a apreensão inerentes à essa seqüência.
Brilhantemente realizado em todos os seus
aspectos, “A Espada do Desespero” é um maravilhoso exemplo da qualidade a que
se podem almejar os grandes filmes de samurai.
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