quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A Cauda do Escorpião


O simbolismo fálico presente no título já escancara as intenções de natureza sexual da premissa; embora esse fosse um aspecto que, na teoria, os realizadores em geral buscavam ignorar.
Sim, pois, o giallo foi para os diretores italianos uma oportunidade para inferir o erotismo que, nos suspenses elegantes que lhe serviram de inspiração, era apenas sugerido –ainda que as cenas picantes desta obra específica sejam até tímidas.
“A Cauda do Escorpião” começa com a fulgurante, ainda que calculista Lisa Baumer (Ida Galli) que a narrativa mostra como uma esposa sozinha e sintomaticamente adúltera.
Seu marido morre num acidente de avião na linha Inglaterra/Grécia, e ela é agraciada com uma apólice de seguro orçada em um milhão de dólares.
Seguindo para a Grécia onde a filial da Companhia de Seguros irá lhe reembolsar, ela já vai deixando uma misteriosa trilha de cadáveres: Pessoas ligadas a ela aparecem mortas, como um amante viciado que aparentava ter provas de seu possível envolvimento no acidente que vitimou o marido.
Atrás dela, orientado pela seguradora, vai o detetive Peter Lynch (George Hilton, de “O Estranho Vício da Senhora Wardh”, do mesmo diretor Sergio Martino).
Nesse ponto, o filme de Sergio Martino realiza uma guinada cuja referência mais nítida é certamente “Psicose”, do mestre supremo do suspense Alfred Hitchcock: Após seguidas mortes, e outras pistas que mais distraem do que elucidam, a própria Lisa –que todos os indícios da narrativa colocavam como protagonista da trama –é morta; tal e qual acontece, de maneira surpreendente com Janet Leight no filme de Hitchcock.
Depois disso, o protagonismo passa para Lynch e para a jornalista Cléo Dupont (a esplêndida Anita Strindberg, de “Todas As Cores da Escuridão”, também de Martino) que engatam ao longo da trama um romance.
É curioso notar que, devido à conceitos mercadológicos bem sedimentados da época, as tramas dos gialli não fugiam muito de sua zona de conforto enquanto narrativa, atendendo a uma mesma fórmula que satisfizesse tanto público quanto distribuidores.
Com efeito, os diretores –que usavam quase sempre os mesmos astros e estrelas à disposição –precisavam subverter a expectativa do público que era alimentada por certos arquétipos em alguns intérpretes.
Por exemplo, Anita Strindberg era o tipo de atriz cujos papéis normalmente eram associados às vítimas frágeis em potencial dos assassinos –e justamente por isso, Martino faz dela sua personagem mais central e destemida aqui, o quê acarreta uma surpresa ao público.
O mesmo vale para outras presenças do elenco, não só neste, mas em diversos outros títulos desse sub-gênero.
Com locações em Londres e na Grécia (o quê representa um escopo luxuoso para um giallo), o filme de Martino traz um roteiro de autoria de Ernesto Gastaldi visivelmente entusiasmado com reviravoltas que, às vezes, soam até implausíveis. Nesse sentido, o desfecho é de um primor desconcertante: Em meio ao clímax e à uma explicação meio sem pé nem cabeça de como o ‘vilão-surpresa’ perpetrou suas diabruras é mencionado um cúmplice.
Entretanto, por completa distração da mocinha protagonista –ou por desleixo mesmo dos realizadores –esse cúmplice é completamente esquecido. Só resta um personagem que se enquadra em seu perfil no filme todo e é justamente ele quem acompanha a aliviada heroína na viagem de carro que encerra o filme fazendo com que a atmosfera feliz da cena seja contaminada por uma ligeira dúvida macabra.
Uma manobra proposital para terminar o filme em suspense ou um lapso narrativo que passou despercebido?
Em se tratando dos travessos artesãos do giallo daqueles tempos qualquer um dos dois é possível.

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