terça-feira, 23 de outubro de 2018

O Cangaceiro Trapalhão


Realizado logo depois de “Os Trapalhões Na Serra Pelada”, este “O Cangaceiro Trapalhão” conta com a direção de Daniel Filho que, se não tem a competência habitual de J.B. Tanko ao menos é superior ao convencionalismo que contamina o trabalho de Adriano Stuart.
Na trama, Renato Aragão é Severino, um humilde e destrambelhado pastor de cabras do nordeste. Num tom e num ritmo remetentes aos faroestes antigos (e, ao contrário dos italianos, o cinema brasileiro perdeu a chance de criar todo um sub-gênero baseado no cangaço que se espelhasse nos faroestes) a sequência inicial elabora um tiroteio numa cidadezinha desolada onde o bando de Lampião e Maria Bonita (Nelson Xavier e Tânia Alvez, escolhas absolutamente perfeitas) se defronta com as precárias forças policiais locais –e, para tanto, caracterizadas com sofreguidão.
Inúmeras coisas acontecem, denotando a perícia de Daniel Filho na condução: Sobretudo, os quatro trapalhões têm seus destinos entrelaçados (além de Didi, isto é, Severino, Dedé, aqui chamado Gavião, é um dos cangaceiros a serviço de Lampião, enquanto Mussum e Zacarias são prisioneiros da cadeia local que fogem aproveitando a confusão). Eles acabam numa carroça onde está sendo transportado o objeto da cobiça de Lampião, uma caixa metálica aparentemente mágica, cujas origens nunca são esclarecidas e que representa um dos poucos elementos místicos na trama –e, por incrível que possa parecer, ausentes do enredo durante a maior parte do tempo.
O filme se ocupa mesmo de registrar a galhofa absurda –e, sejamos honestos, deliciosa! –de ver o famoso quarteto às voltas com uma figura tão severa e compenetrada quanto Lampião (e a atuação do sempre maravilhoso Nelson Xavier compreende tal dinâmica de modo preciso): Uma vez aceitos no bando, Lampião não tarda a descobrir uma peculiaridade; que Severino, ao colocar óculos, é quase um sósia seu.
O plano, portanto, está montado: Enquanto se ocupa do mistério até bem redundante da caixa mágica, Lampião deixa Severino trajado com suas mesmas vestes a fim de confundir os policiais em seu encalço, algo como um “Kagemusha” nordestino –e esse recurso não é assim tão incomum na filmografia dos Trapalhões.
Severino acaba assim numa cidade onde quase é encurralado por policiais em uma cilada, escapando por pouco graças à boa vontade da jovem Aninha (Regina Duarte, no auge de sua fase “namoradinha do Brasil”), com quem mais tarde se junta à procura de água e da filha de Lampião, enquanto os outros três tornam a se reencontrar com os cangaceiros.
Ao lado de Aninha e da menina, Severino encontra o que parece ser uma espécie de feiticeira do sertão (a deslumbrante Bruna Lombardi), cuja presença abre as portas para elementos mágicos e efeitos visuais hoje ultrapassados, mas eficientes e admiráveis. Ela até se oferece para Severino acarretando um acesso de ciúmes de Aninha, o que leva ele a optar pela jovem e continuar sua busca por água que, nas instruções da feiticeira, estaria na “montanha em forma de galinha choca”!
Eventualmente, os Trapalhões voltam a se reunir e o bando de Lampião volta a aparecer. Satisfeito com a filha devolvida, Lampião –que, diga-se, nunca é chamado por esse nome –agradece deixando que o quarteto parta em paz e lhes entregando, já desinteressado, a tal caixa mágica.
É então que, numa ponta relâmpago de Tarcísio Meira (entrando mudo e saindo calado), Aninha encontra seu príncipe encantado e abandona Severino que –numa jogada narrativa constante nos filmes dos Trapalhões e que faz ainda uma mambembe referência à "Casablanca" –abre mão do amor dela (se era para ser assim, porque ela não deixou que ele ficasse com a feiticeira de Bruna Lombardi?!).
No desfecho algo previsível, a caixa revela aos Trapalhões o segredo para fazer com que a ‘montanha em forma de galinha choca’ bote gigantescos ovos de ouro, tornando-os milionários.
Divertidamente lúdico, descompromissado e fluido, “O Cangaceiro Trapalhão” é uma obra saborosa que ombreia os melhores títulos protagonizados no cinema pelo famoso quarteto.

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