quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Orfeu Negro


Deve ter soado de um curioso exotismo na época de seu lançamento a transposição do mito grego de Orpheu e Euridice (adaptada, por sua vez, de “Orfeu da Conceição” uma peça de Vinicius de Moraes) para os morros transfigurados pela alegria do Carnaval no Rio de Janeiro realizada pelo diretor francês Marcel Camus.
O condutor de bonde Orfeu (Breno Mello) é um dos tantos moradores cariocas que, findo seu expediente, se prepara, cheio de expectativa para o fim de semana do Carnaval. No registro fascinante e fascinado do diretor Camus, os morros do Rio têm uma vibração singular e desigual com a festa que se materializa, até o fim do filme, como uma percepção de algo que jamais de fato se acaba.
Em meio à essa vibrante manifestação cultural, Orfeu conhece a jovem e bela Euridice (a maravilhosa Marpessa Dawn) por quem logo se apaixona. Mas, o romance de Carnaval é atribulado por forças exteriores, como personagens coadjuvantes que se ressentem da felicidade do casal e desejam afastá-los –e, mais tarde, por energias sobrenaturais, mesclas curiosas e autênticas de representações mitológicas, conceitos folclóricos e caracterizações urbanas.
Essa atualização não impede “Orfeu Negro” de honrar os rumos poderosamente amargos e reflexivos tomados pela trama, que confrontam seu herói, Orfeu, com as consequências metafísicas de seu amor mortal.
Belo, brilhantemente filmado e inebriante na sua auto-afirmação de fábula, o filme de Marcel Camus esbanja originalidade em sua ambientação (embora seu retrato do Carnaval e dos foliões não tenha agradado unanimemente a crítica brasileira), no emprego feliz de várias técnicas do neorrealismo (atores amadores, a captura do frenesi real das ruas em filmagens audaciosamente externas), no ineditismo de assumir um elenco integralmente negro e na primorosa trilha sonora pontuada de canções de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Luiz Bonfá e Antonio Maria que representam o estopim da Bossa Nova.

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