Deve ter soado de um curioso exotismo na época
de seu lançamento a transposição do mito grego de Orpheu e Euridice (adaptada,
por sua vez, de “Orfeu da Conceição” uma peça de Vinicius de Moraes) para os
morros transfigurados pela alegria do Carnaval no Rio de Janeiro realizada pelo
diretor francês Marcel Camus.
O condutor de bonde Orfeu (Breno Mello) é um
dos tantos moradores cariocas que, findo seu expediente, se prepara, cheio de
expectativa para o fim de semana do Carnaval. No registro fascinante e fascinado
do diretor Camus, os morros do Rio têm uma vibração singular e desigual com a
festa que se materializa, até o fim do filme, como uma percepção de algo que
jamais de fato se acaba.
Em meio à essa vibrante manifestação cultural,
Orfeu conhece a jovem e bela Euridice (a maravilhosa Marpessa Dawn) por quem logo se
apaixona. Mas, o romance de Carnaval é atribulado por forças exteriores, como
personagens coadjuvantes que se ressentem da felicidade do casal e desejam
afastá-los –e, mais tarde, por energias sobrenaturais, mesclas curiosas e
autênticas de representações mitológicas, conceitos folclóricos e
caracterizações urbanas.
Essa atualização não impede “Orfeu Negro” de
honrar os rumos poderosamente amargos e reflexivos tomados pela trama, que
confrontam seu herói, Orfeu, com as consequências metafísicas de seu amor
mortal.
Belo, brilhantemente filmado e inebriante na
sua auto-afirmação de fábula, o filme de Marcel Camus esbanja originalidade em
sua ambientação (embora seu retrato do Carnaval e dos foliões não tenha agradado
unanimemente a crítica brasileira), no emprego feliz de várias técnicas do
neorrealismo (atores amadores, a captura do frenesi real das ruas em filmagens
audaciosamente externas), no ineditismo de assumir um elenco integralmente
negro e na primorosa trilha sonora pontuada de canções de Tom Jobim, Vinicius
de Moraes, Luiz Bonfá e Antonio Maria que representam o estopim da Bossa Nova.
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