sexta-feira, 12 de outubro de 2018

O Sol da Meia Noite


No princípio de “O Sol da Meia-Noite”, o aclamado bailarino Mikhail Baryshnikov já surge fazendo aquilo que fazia melhor: Dançando com vigor e esplendor, encenando uma apresentação de “Le Jeune Homme Et La Mort”.
Nela, um artista é torturado pelo amor nas formas de uma outra bailarina e, ao fim, encerra esse tormento provocando a própria morte.
Não obstante a trivialidade com que é tratado, é um prólogo onde o diretor Taylor Hackford vale-se das vantagens do cinema (movimentos de câmeras, enquadramentos intimistas, edição) para mostrar o fulgurante carisma e admirável expressividade física que fez de Baryshnikov o bailarino mais famoso do mundo.
É, portanto, uma espécie de eufemismo para todo o filme que virá a seguir: Embora dedicado à dramaturgia de sua história, “O Sol da Meia-Noite” é uma tentativa de transposição cinematográfica do virtuosismo coreográfico de Baryshnikov. Ele é Nikolai Godchenko, famoso bailarino que guarda um passado como expatriado soviético –e nos anos 1980 de então, o cinema americano não perderia uma oportunidade de vilanizar os soviéticos em uma alfinetada panfletária típica do contexto da Guerra Fria.
Há oito anos longe da União Soviética, de onde fugiu para ganhar fama mundial, Nikolai vê seu pesadelo retornar quando viaja num avião que sobrevoava a região da Sibéria. O avião sofre uma pane e Nikolai se vê de volta aos domínios da KGB quando a aterrissagem forçada o leva para lá.
Uma vez em solo soviético, Nikolai é existencialmente um prisioneiro: A KGB o retém num prédio opressivamente vigiado, onde ele divide moradia com Raymond (Gregory Hines), um negro sapateador (!) instruído a convencê-lo a ficar em sua Pátria-Natal; e sua esposa Darya (Isabella Rosellini).
Embora nas sequências de dança o desprendido Gregory Hines componha um bom duelo com Baryshnikov, são por demais inverossímeis as explicações para a presença de um negro norte-americano dentro da Cortina-de-Ferro.
São detalhes que minam a credibilidade do filme, embora o diretor Taylor Hackford seja hábil em conduzir sua narrativa. Há um envolvimento relativamente eficaz com o tenso planejamento de Nikolai para tentar escapar de seus captores (entre os quais o agente da KGB vivido por Jerzy Skolowsky), a relação de amizade que se constrói entre ele e Raymond (e que ganha a moldura vibrante de bem acabados números de dança) e o relacionamento cheio de ressentimento e recordação com Galina Ivanova (Helen Mirren).
A verdade é que “O Sol da Meia-Noite” não se situa numa definição pela qual encontra um tipo de público. É um drama com elementos de musical embora sua dramaticidade não tenha tanto peso na narrativa quanto as cenas de dança –que não chegam a ser determinantes o suficiente como em um musical de fato. Seu pano de fundo político, tímido por si só, acaba sendo assim um mero pretexto para a estréia no cinema do festejado bailarino Mikhail Baryshnikov.
Todavia, o tempo proporcionou ao filme o encontro com seus apreciadores, cuja memória se fez mais marcante graças ao apelo de sua famosa canção, "Say You Say Me", de Lionel Ritchie, vencedora do Oscar.

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