No princípio de “O Sol da Meia-Noite”, o
aclamado bailarino Mikhail Baryshnikov já surge fazendo aquilo que fazia melhor:
Dançando com vigor e esplendor, encenando uma apresentação de “Le Jeune Homme
Et La Mort”.
Nela, um artista é torturado pelo amor nas
formas de uma outra bailarina e, ao fim, encerra esse tormento provocando a
própria morte.
Não obstante a trivialidade com que é tratado,
é um prólogo onde o diretor Taylor Hackford vale-se das vantagens do cinema
(movimentos de câmeras, enquadramentos intimistas, edição) para mostrar o
fulgurante carisma e admirável expressividade física que fez de Baryshnikov o
bailarino mais famoso do mundo.
É, portanto, uma espécie de eufemismo para todo
o filme que virá a seguir: Embora dedicado à dramaturgia de sua história, “O
Sol da Meia-Noite” é uma tentativa de transposição cinematográfica do
virtuosismo coreográfico de Baryshnikov. Ele é Nikolai Godchenko, famoso
bailarino que guarda um passado como expatriado soviético –e nos anos 1980 de
então, o cinema americano não perderia uma oportunidade de vilanizar os
soviéticos em uma alfinetada panfletária típica do contexto da Guerra Fria.
Há oito anos longe da União Soviética, de onde
fugiu para ganhar fama mundial, Nikolai vê seu pesadelo retornar quando viaja
num avião que sobrevoava a região da Sibéria. O avião sofre uma pane e Nikolai
se vê de volta aos domínios da KGB quando a aterrissagem forçada o leva para lá.
Uma vez em solo soviético, Nikolai é
existencialmente um prisioneiro: A KGB o retém num prédio opressivamente
vigiado, onde ele divide moradia com Raymond (Gregory Hines), um negro
sapateador (!) instruído a convencê-lo a ficar em sua Pátria-Natal; e sua
esposa Darya (Isabella Rosellini).
Embora nas sequências de dança o desprendido
Gregory Hines componha um bom duelo com Baryshnikov, são por demais
inverossímeis as explicações para a presença de um negro norte-americano dentro
da Cortina-de-Ferro.
São detalhes que minam a credibilidade do
filme, embora o diretor Taylor Hackford seja hábil em conduzir sua narrativa.
Há um envolvimento relativamente eficaz com o tenso planejamento de Nikolai
para tentar escapar de seus captores (entre os quais o agente da KGB vivido por
Jerzy Skolowsky), a relação de amizade que se constrói entre ele e Raymond (e
que ganha a moldura vibrante de bem acabados números de dança) e o
relacionamento cheio de ressentimento e recordação com Galina Ivanova (Helen
Mirren).
A verdade é que “O Sol da Meia-Noite” não se
situa numa definição pela qual encontra um tipo de público. É um drama com
elementos de musical embora sua dramaticidade não tenha tanto peso na narrativa
quanto as cenas de dança –que não chegam a ser determinantes o suficiente como
em um musical de fato. Seu pano de fundo político, tímido por si só, acaba
sendo assim um mero pretexto para a estréia no cinema do festejado bailarino
Mikhail Baryshnikov.
Todavia, o tempo proporcionou ao filme o
encontro com seus apreciadores, cuja memória se fez mais marcante graças ao
apelo de sua famosa canção, "Say You Say Me", de Lionel Ritchie,
vencedora do Oscar.
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