Integrante daquela melindrosa lista dos
trabalhos de Jean Luc Godard apenas integralmente recomendados aos já
devidamente iniciados em sua obra, “Paixão” não é –como haveria de se esperar
–um filme fácil.
Lançado em 1982, quando Godard já tinha se
deixado convencer pela adoração unilateral de seus apreciadores que era um
gênio absoluto e que seus filmes tinham por obrigação, portanto, serem
absolutamente geniais, ele conta uma trama tão fragmentada, tão dispersa numa
narrativa pretensamente desafiadora, tão refém da necessidade de Godard ser
Godard que quase não se consegue achar um fio da meada.
“Paixão” tem por protagonista, na maior parte
das vezes, o mal-humorado Jerzy (Jerzy Radziwilowicz), um cineasta –e,
portanto, alter-ego de Godard –cuja distância de sua Polônia natal (distância
essa imposta por lamentáveis circunstâncias políticas) o leva a filmar na Suécia. Mas, o que Jerzy, em seu ímpeto autoral quer filmar?
Imagens, somente. Imagens reproduzidas de
quadros de obras de arte –e que assim exigem dos atores posições estáticas sem
mover um músculo e da iluminação, uma perfeição imperturbável, onde a menor
oscilação de luz acarreta frustração.
E como o cinema não é pintura –ele se faz com
movimento –Jerzy se vê continuamente insatisfeito com os resultados dessa
empreitada.
Também outros personagens, divididos entre a
insatisfação e o ideal, surgem orbitando Jerzy. Há, por exemplo, Isabelle
(Isabelle Hupert) que, tirada da usina onde era operária, se torna uma presença
confidente entre os membros da equipe de filmagem, cuja função ela não saberia
dizer qual é. Há, também Hanna (Hanna Schygulla, deveras todos os personagens
têm os nomes correspondentes de seus intérpretes!), uma atriz também ela
polonesa, e talvez um relacionamento do passado de Jerzy, que precisa
constantemente lidar com os constrangimentos da própria imperfeição –o pudor
registrado com brilho onde ela assiste uma filmagem em videotape da própria
performance –e os rompantes bipolares da relação com Michel (Michel Piccoli),
membro da equipe de filmagem.
Isso, além da aparição da lindíssima Myriem
Roussel (de “Je Vous Salue, Marie”, lançado no ano seguinte) interpretando uma
jovem atriz muda, porém, essencial em dado momento para a composição de uma
determinada imagem que parece, com efeito, existir somente na cabeça frustrada
de Jerzy –e a nudez de Myriem Roussel parece também se mostrar uma obsessão
para o próprio Godard neste e no filme subsequente que fez com ela.
No tênue contexto em que todos os integrantes
dessa fauna estão inseridos, todos representam pequenos lampejos da reflexão
que Godard lança sobre a arte, seu significado e sua representação, e também
sobre os equívocos acarretados pela transposição da arte para uma outra mídia
–o cinema –que lhe é oposta em tantos aspetos; afinal, se a arte de pintura é
contemplação e imobilidade, o cinema é som e fúria, não?
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