segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Comando de Heróis


Protagonizando este trabalho cerca de dois anos após aparecer em “Nascido Para Matar” (onde desempenhou um papel absolutamente antológico), o ator R. Lee Ermey estreita os laços desta produção com o filme de Stanley Kubrick, entretanto, conforme avançamos na obra do diretor australiano Brian Trenchard-Smith (do cult “Drive-In da Morte”) notamos que a maior similaridade ele possui mesmo com “Platoon”, de Oliver Stone.
Ambos se focam no conflito do Vietnam, sem preâmbulos e sem intenções dele se afastar, e ambos aproveitam, a partir dessa opção espartana, para radiografar as angústias de seus protagonistas, a partir da tentativa singular de se manter a frente da loucura e do túmulo.
O sargento-major Hafner (R. Lee Ermey) e sua tropa já viram de tudo um pouco na guerra do Vietnam –e, na sequência inicial, já somos brindados com um avassalador aperitivo disso ao flagrar a terrível descoberta de uma aldeia de simpatizantes aos americanos vítimas de um massacre com ares genocidas. Ninguém foi poupado, nem velhos, mulheres ou crianças.
O vietcongue é, pois, um inimigo de implacável poder de matar, e como tal será retratado no filme que se segue.
Braço direito de Hafner, seu auxiliar DiNardo (Wings Hauser, de “Rubber-O Pneu Assassino”) tem toda a truculência, o cinismo e a desenvoltura homicida que ele não se permite cultivar. Juntos, eles se completam e funcionam num conjunto que, por um tempo, parece uma máquina bem azeitada.
Contudo, há certa tensão entre Hafner e DiNardo: A amizade inabalável, mesmo pelas circunstâncias da guerra, parece ter chegado num momento difícil, por razões que mais tarde serão elucidadas –e que dizem respeito ao falecimento do filho de DiNardo.
Em meio a essas questões de ordem íntima, vemos se desenrolar a trama de fato do filme. A tropa de reconhecimento do Sargento Hafner chega a uma base erguida à duras penas em uma colina no meio de um pântano. Lá, eles ficam sabendo da famosa ‘Ofensiva do Tet’ pela qual um contingente extraordinário de vietcongues ataca sistematicamente várias bases norte-americanas.
Eles, portanto, estão em uma delas.
Embora a narrativa do diretor Trenchard-Smith não se furte de imolar todas as características do cinema bélico norte-americano ao qual orgulhosamente pertence (nas quais sintomaticamente os americanos são santificados e seus oponentes demonizados), o filme se dá ao luxo de breves cenas intercaladas ao protagonismo americano, onde vemos o lado vietcongue da história compartilhando incertezas, dúvidas, medos e atribulações que espelham seus adversários.
Apesar dessas bem elaboradas manobras de caracterização em seus personagens, é no fulgor vibrante e realista de suas cenas de guerra que o filme se impõe de fato: Trenchard-Smith dirige como um John Ford pós-moderno, manejando sequências panorâmicas magnificamente realizadas, contrapondo uma montagem criteriosamente oscilante entre o frenético e o contemplativo, enfatizando, no calor da batalha, a bravura inquestionável dos homens envolvidos, despindo-se de ideologias e favoritismos narrativos na hora de encenar o conflito com brilho.
A partir da metade, por essa mesma razão, seu filme se resume a uma eficiente e alucinante versão de “O Álamo” no Século XX, onde todos os protagonistas e coadjuvantes se vêem diante da estoica responsabilidade de manter as defesas de uma fortaleza moribunda no auge explosivo e inclemente da guerra.
Pode não ter o vigor artístico de “Nascido Para Matar”, nem a alegoria palpitante de “Apocalypse Now”, a extensão dramática de “O Franco-Atirador” ou o radicalismo inédito de “Platoon”, mas ainda assim, Trenchard-Smith moldou uma das mais brilhantes e sinceras reconstituições da aleatoriedade sangrenta presente no conflito do Vietnam.

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