Protagonizando este trabalho cerca de dois anos
após aparecer em “Nascido Para Matar” (onde desempenhou um papel absolutamente
antológico), o ator R. Lee Ermey estreita os laços desta produção com o filme
de Stanley Kubrick, entretanto, conforme avançamos na obra do diretor
australiano Brian Trenchard-Smith (do cult “Drive-In da Morte”) notamos que a
maior similaridade ele possui mesmo com “Platoon”, de Oliver Stone.
Ambos se focam no conflito do Vietnam, sem
preâmbulos e sem intenções dele se afastar, e ambos aproveitam, a partir dessa
opção espartana, para radiografar as angústias de seus protagonistas, a partir
da tentativa singular de se manter a frente da loucura e do túmulo.
O sargento-major Hafner (R. Lee Ermey) e sua
tropa já viram de tudo um pouco na guerra do Vietnam –e, na sequência inicial,
já somos brindados com um avassalador aperitivo disso ao flagrar a terrível
descoberta de uma aldeia de simpatizantes aos americanos vítimas de um massacre
com ares genocidas. Ninguém foi poupado, nem velhos, mulheres ou crianças.
O vietcongue é, pois, um inimigo de implacável
poder de matar, e como tal será retratado no filme que se segue.
Braço direito de Hafner, seu auxiliar DiNardo
(Wings Hauser, de “Rubber-O Pneu Assassino”) tem toda a truculência, o cinismo
e a desenvoltura homicida que ele não se permite cultivar. Juntos, eles se
completam e funcionam num conjunto que, por um tempo, parece uma máquina bem
azeitada.
Contudo, há certa tensão entre Hafner e
DiNardo: A amizade inabalável, mesmo pelas circunstâncias da guerra, parece ter
chegado num momento difícil, por razões que mais tarde serão elucidadas –e que
dizem respeito ao falecimento do filho de DiNardo.
Em meio a essas questões de ordem íntima, vemos
se desenrolar a trama de fato do filme. A tropa de reconhecimento do Sargento
Hafner chega a uma base erguida à duras penas em uma colina no meio de um
pântano. Lá, eles ficam sabendo da famosa ‘Ofensiva do Tet’ pela qual um
contingente extraordinário de vietcongues ataca sistematicamente várias bases
norte-americanas.
Eles, portanto, estão em uma delas.
Embora a narrativa do diretor Trenchard-Smith
não se furte de imolar todas as características do cinema bélico
norte-americano ao qual orgulhosamente pertence (nas quais sintomaticamente os
americanos são santificados e seus oponentes demonizados), o filme se dá ao
luxo de breves cenas intercaladas ao protagonismo americano, onde vemos o lado
vietcongue da história compartilhando incertezas, dúvidas, medos e atribulações
que espelham seus adversários.
Apesar dessas bem elaboradas manobras de
caracterização em seus personagens, é no fulgor vibrante e realista de suas
cenas de guerra que o filme se impõe de fato: Trenchard-Smith dirige como um
John Ford pós-moderno, manejando sequências panorâmicas magnificamente
realizadas, contrapondo uma montagem criteriosamente oscilante entre o
frenético e o contemplativo, enfatizando, no calor da batalha, a bravura
inquestionável dos homens envolvidos, despindo-se de ideologias e favoritismos
narrativos na hora de encenar o conflito com brilho.
A partir da metade, por essa mesma razão, seu
filme se resume a uma eficiente e alucinante versão de “O Álamo” no Século XX,
onde todos os protagonistas e coadjuvantes se vêem diante da estoica
responsabilidade de manter as defesas de uma fortaleza moribunda no auge
explosivo e inclemente da guerra.
Pode não ter o vigor artístico de “Nascido Para
Matar”, nem a alegoria palpitante de “Apocalypse Now”, a extensão dramática de
“O Franco-Atirador” ou o radicalismo inédito de “Platoon”, mas ainda assim,
Trenchard-Smith moldou uma das mais brilhantes e sinceras reconstituições da
aleatoriedade sangrenta presente no conflito do Vietnam.
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