O diretor Carlos Reichenbach parece, com este
filme, revisitar a figura da prostituta ingênua e de bom coração –se é que isso
existe –de filmes tão díspares como “As Noites de Cabíria”, de Fellini, ou “UmaLinda Mulher”, de Garry Marshall; ao qual até há uma desengonçada referência na
cena em que a protagonista e uma amiga tomam um banho de loja ao som de uma
trilha sonora que reproduz os acordes da canção “Pretty Woman”, de Roy Orbison.
Não que a personagem principal, Silmara,
interpretada pela pra lá de sensacional Rosanne Mulholland, seja uma
prostituta. Silmara é uma das muitas protagonistas proletárias de classe média
baixa e cultura suburbana que tanto interessam a Reichenbach, vide “As Garotas
do ABC”, uma de suas obras anteriores com a qual este filme estabelece um relativamente
estreito diálogo, sobretudo, na primeira parte, onde a rotina operária de
Silmara, ao lado de suas amigas, é melhor explorada.
Silmara trabalha numa fábrica. A relação com
suas colegas de trabalho oscila entre o áspero e o amigável; embora tente esconder
sua empatia por trás de uma máscara de implicância e impaciência, Silmara
importa-se com todas elas, tanto que não tarda a assumir uma atitude maternal
com uma colega após desdenhar da intenção dela em ir numa danceteria popular.
São as cenas de Silmara nessa danceteria e os
momentos flagrados dentro de casa ao lado do pai (cujo rosto foi queimado num
acidente) que revelam a caracterização destituída de concessões que Reichenbach
faz do universo brasileiro e suburbano onde o brega predomina em todas as
estampas e texturas.
Como toda moça de classe média baixa, Silmara
nutre sonhos com seus ídolos musicais, o vocalista de uma banda (Cauã Reymond)
e um badalado cantor romântico (Mauricio Mattar).
E o filme de Reichenbach leva por caminhos
tortuosos, Silmara a se cruzar com ambos –numa forma que converter o retrato
tragicômico da juventude cafona e iludida num drama contundente sobre
desesperança e decepção.
O primeiro (personagem de Cauã) tem um breve
interlúdio com ela que se apresenta de maneira elíptica na narrativa; na
sequência, uma viagem tornará ainda mais contundente seu envolvimento, assim
como levará Silmara a uma invariável desventura.
E isso a conduzirá, por fim, ao segundo (o
personagem de Mauricio Mattar) que ela conhecerá por meio de uma agenciadora de
encontros para acompanhantes, quando então sua trajetória aparentemente já a
terá empurrado para um mundo (o da prostituição) que ela buscava evitar.
No segmento mais inspirado e bem realizado do
filme, Silmara é recebida numa chácara onde experimenta a fugaz realização de
um sonho para, logo em seguida, no que parece ser uma referência apaixonada à
Walter Hugo Khouri, descobrir os reais interesses do novo cliente.
Tendo uma série de escolhas específicas da
parte do diretor apontadas como deficiências (como o final abrupto e aberto; e a
atividade clandestina do pai de Silmara como uma espécie de incendiário, nunca
devidamente esclarecida), “Falsa Loura” é um trabalho de caracterização e
reflexão onde os objetivos da obra como um todo aparecem, no seu devido tempo,
conjugados com suas próprias imperfeições, revelando o talento absolutamente
salutar e precioso de Carlos Reichenbach e, acima de tudo, a força
interpretativa inquestionável da lindíssima e competente Rosanne Mulholland.
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