“Matei meu pai, comi carne humana e tremo de
alegria.”
Duas histórias que se relacionam por alegorias
que o diretor Pier Paolo Passolini nunca deixa devidamente claras –embora o
ataque aos preceitos indisfarçáveis do capitalismo seja um objetivo onipresente
nas constatações de Passolini dada sua natureza filosófica.
Na primeira, o deserto reclama pelos mortos.
É nele que vemos –em meados do Século XVI –um jovem
(Pierre Clementi) voluntariamente destituído de suas posses que não encontra
propósito senão o de vagar indefinidamente pelo deserto a deixar-se consumir por
um vazio desesperador. Uma versão escatológica de Cristo que –levado ao
abandono de seus dogmas pelo cinismo extremo de Passolini –salienta sua derrota
ideológica sucumbindo ao canibalismo.
Para lá (para o deserto) Passolini também regressou
na cena final de “Teorema”, no ano anterior –opção estética que estabelece um
diálogo de ordem alegórica entre os dois filmes.
Na segunda história, Jean Pierre Léaud (o
próprio Antoine Doinel de “Os Incompreendidos” e outros filmes) é filho de um
aristocrata, outrora nazista, cuja postura burguesa se mostra maleável na
medida em que o mantém numa boa posição na cadeia alimentar.
É seu filho que irá desvirtuar essa manutenção:
O jovem choca a tudo e a todos com seu fascínio irreprimível por porcos!
Passolini assim mancha deliberadamente a figura
principal da nouvelle vague francesa levando-a literalmente a chafurdar na
lama, a afundar-se na ambiguidade da incerteza e da alienação que (nas duas
histórias) conduzem a um rompimento irreversível das amarras sociais,
familiares e comportamentais.
A inocência sendo transfigurada pelo mundo cão?
Ou uma metáfora sobre a tendência do cinema, em sua inclinação comercial, de se
deixar corromper e poluir?
Na inconclusão proposital que Passolini
preserva em sua narrativa –porém, não destituída de contundência –todas as
considerações são possíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário