sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Pocilga


“Matei meu pai, comi carne humana e tremo de alegria.”
Duas histórias que se relacionam por alegorias que o diretor Pier Paolo Passolini nunca deixa devidamente claras –embora o ataque aos preceitos indisfarçáveis do capitalismo seja um objetivo onipresente nas constatações de Passolini dada sua natureza filosófica.
Na primeira, o deserto reclama pelos mortos.
É nele que vemos –em meados do Século XVI –um jovem (Pierre Clementi) voluntariamente destituído de suas posses que não encontra propósito senão o de vagar indefinidamente pelo deserto a deixar-se consumir por um vazio desesperador. Uma versão escatológica de Cristo que –levado ao abandono de seus dogmas pelo cinismo extremo de Passolini –salienta sua derrota ideológica sucumbindo ao canibalismo.
Para lá (para o deserto) Passolini também regressou na cena final de “Teorema”, no ano anterior –opção estética que estabelece um diálogo de ordem alegórica entre os dois filmes.
Na segunda história, Jean Pierre Léaud (o próprio Antoine Doinel de “Os Incompreendidos” e outros filmes) é filho de um aristocrata, outrora nazista, cuja postura burguesa se mostra maleável na medida em que o mantém numa boa posição na cadeia alimentar.
É seu filho que irá desvirtuar essa manutenção: O jovem choca a tudo e a todos com seu fascínio irreprimível por porcos!
Passolini assim mancha deliberadamente a figura principal da nouvelle vague francesa levando-a literalmente a chafurdar na lama, a afundar-se na ambiguidade da incerteza e da alienação que (nas duas histórias) conduzem a um rompimento irreversível das amarras sociais, familiares e comportamentais.
A inocência sendo transfigurada pelo mundo cão? Ou uma metáfora sobre a tendência do cinema, em sua inclinação comercial, de se deixar corromper e poluir?
Na inconclusão proposital que Passolini preserva em sua narrativa –porém, não destituída de contundência –todas as considerações são possíveis.

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