Sempre envolvente, esta obra pertence àquela
segunda vertente de filmes que Woody Allen logrou ao longo de sua carreira, em
contraponto às suas comédias sobre neuroses e relacionamentos humanos –aquelas
realizações mais sérias de orientação quase hitchcockiana das quais o exemplar
recente mais cultuado é provavelmente “Match Point-Ponto Final”.
Dele, “O Sonho de Cassandra” empresta também
sua ambientação e cenário, Londres.
Os Irmãos Blaime, Ian e Terry (Ewan McGregor e
Colin Farrel, intérpretes adequados) surgem na primeira cena cobiçando um barco
ao qual, depois da compra, dão o nome de “Sonho de Cassandra” –a cobiça é
apenas o primeiro dos pecados capitais que pontuam a trajetória dos
protagonistas.
Há a vaidade –na soberba da mãe quando
continuamente elogia o sucesso do irmão Howard (Tom Wilkinson), sobretudo, em
comparação à mediocridade crônica do resto da família –a luxúria –quando Ian,
que trabalha num modesto restaurante com o pai, almeja ambições maiores e, num
reflexo disso, se envolve com uma atriz inglesa (Hayley Atwell), o que o obriga
a manter as aparências de um luxo ostensivo –e a inveja –por meio da qual,
Terry cede ao vício da jogatina que, no início, lhe permite mais dinheiro do
que tem, mas depois, o leva a contrair um dívida alta e perigosa com inescrupulosos
agiotas para desespero de sua esposa (Sally Hawkins).
A ira, de uma certa maneira, surge na figura do
próprio Tio Howard, enxergado muitas vezes como a solução para a maioria dos
problemas da família, devido à sua riqueza. Howard só tem um empecilho: Se
consome de ódio por uma testemunha que pode entrega-lo a justiça por ações
ilícitas –e que pode colocá-lo atrás das grades!
O acordo, em princípio, é simples: Ian e Terry
poderão dar cabo do indivíduo (no caso, mata-lo), e assim Howard quitará a dívida
de Terry, e irá investir em todos os planos grandiosos de Ian.
Eis, pois, o thriller hitchcockiano que Woody
Allen monta amparado em paradigmas das tragédias clássicas, e que ruma da
direção da ilusão do crime perfeito, cujos detalhes insistem em provar o
oposto. De modo desengonçado, mas obstinado, Ian e Terry cometem o homicídio,
apesar de todos os percalços agonizantes de quem nunca experimentou algo assim.
Nos dias que se seguem, entretanto, a reação dos irmãos é diferente: O
ambicioso Ian procura seguir sua vida, adequando-se cada vez mais ao meio de
vida da namorada, enquanto que o proletário Terry se descobre consumido pela
culpa –a memória do crime não lhe abandona em momento algum, atormentando-o e
até mesmo tirando-lhe a sanidade.
Quando Terry começa a se tornar perigoso demais
para os planos de Ian e do próprio Howard, uma atitude drástica é cogitada –e
Ian pode ter de executá-la num mero passeio ao lado do irmão, a bordo do
próprio “Sonho de Cassandra”.
O desenvolvimento da premissa, orientado por
influências literárias e culturais que Woody Allen trabalha desde o início de
sua carreira, pode soar anacrônico aos expectadores habituados com as obras de
suspense com características mais modernas, no entanto, há extremo
profissionalismo no modo com que é narrado este conto moral sobre escolhas
éticas tão sombrias quanto irreversíveis.
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