terça-feira, 15 de janeiro de 2019

O Sonho de Cassandra


Sempre envolvente, esta obra pertence àquela segunda vertente de filmes que Woody Allen logrou ao longo de sua carreira, em contraponto às suas comédias sobre neuroses e relacionamentos humanos –aquelas realizações mais sérias de orientação quase hitchcockiana das quais o exemplar recente mais cultuado é provavelmente “Match Point-Ponto Final”.
Dele, “O Sonho de Cassandra” empresta também sua ambientação e cenário, Londres.
Os Irmãos Blaime, Ian e Terry (Ewan McGregor e Colin Farrel, intérpretes adequados) surgem na primeira cena cobiçando um barco ao qual, depois da compra, dão o nome de “Sonho de Cassandra” –a cobiça é apenas o primeiro dos pecados capitais que pontuam a trajetória dos protagonistas.
Há a vaidade –na soberba da mãe quando continuamente elogia o sucesso do irmão Howard (Tom Wilkinson), sobretudo, em comparação à mediocridade crônica do resto da família –a luxúria –quando Ian, que trabalha num modesto restaurante com o pai, almeja ambições maiores e, num reflexo disso, se envolve com uma atriz inglesa (Hayley Atwell), o que o obriga a manter as aparências de um luxo ostensivo –e a inveja –por meio da qual, Terry cede ao vício da jogatina que, no início, lhe permite mais dinheiro do que tem, mas depois, o leva a contrair um dívida alta e perigosa com inescrupulosos agiotas para desespero de sua esposa (Sally Hawkins).
A ira, de uma certa maneira, surge na figura do próprio Tio Howard, enxergado muitas vezes como a solução para a maioria dos problemas da família, devido à sua riqueza. Howard só tem um empecilho: Se consome de ódio por uma testemunha que pode entrega-lo a justiça por ações ilícitas –e que pode colocá-lo atrás das grades!
O acordo, em princípio, é simples: Ian e Terry poderão dar cabo do indivíduo (no caso, mata-lo), e assim Howard quitará a dívida de Terry, e irá investir em todos os planos grandiosos de Ian.
Eis, pois, o thriller hitchcockiano que Woody Allen monta amparado em paradigmas das tragédias clássicas, e que ruma da direção da ilusão do crime perfeito, cujos detalhes insistem em provar o oposto. De modo desengonçado, mas obstinado, Ian e Terry cometem o homicídio, apesar de todos os percalços agonizantes de quem nunca experimentou algo assim. Nos dias que se seguem, entretanto, a reação dos irmãos é diferente: O ambicioso Ian procura seguir sua vida, adequando-se cada vez mais ao meio de vida da namorada, enquanto que o proletário Terry se descobre consumido pela culpa –a memória do crime não lhe abandona em momento algum, atormentando-o e até mesmo tirando-lhe a sanidade.
Quando Terry começa a se tornar perigoso demais para os planos de Ian e do próprio Howard, uma atitude drástica é cogitada –e Ian pode ter de executá-la num mero passeio ao lado do irmão, a bordo do próprio “Sonho de Cassandra”.
O desenvolvimento da premissa, orientado por influências literárias e culturais que Woody Allen trabalha desde o início de sua carreira, pode soar anacrônico aos expectadores habituados com as obras de suspense com características mais modernas, no entanto, há extremo profissionalismo no modo com que é narrado este conto moral sobre escolhas éticas tão sombrias quanto irreversíveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário