sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A Lenda do Demônio

Só os japoneses mesmo para realizar uma animação tão convicta em sua transgressão, na perversidade adulta que emana de suas intenções (não destituída, contudo, de extasiada jovialidade) e no arrojo técnico com que concebe suas cenas –das mais convencionais às mais escabrosas –dando a sensação de que foi um estúdio grande e conceituado que viabilizou tal projeto; algo que, nos EUA, mesmo nos anos 1980, jamais aconteceria.
Na trama, existem três reinos metafísicos que coexistem com a realidade (e que subentende-se serem o céu, o inferno e o purgatório). Seres poderosos vindos desses mundos procuram há séculos por um assim chamado ‘deus supremo’ destinado a surgir entre os humanos e ser o mais poderoso dentre todas as criaturas a vagar pela terra.
Como toca uma trama a obedecer as características desiguais do ‘mangá’, o maior suspeito vem a ser o inicialmente perplexo colegial Nagumo que encontramos, na primeira cena admirando os corpos nus das garotas no vestiário escolar –entre elas, o objeto primordial de seu desejo, Akemi (e é incrível como a animação lança mão de circunstâncias sempre elaboradas para que não faltem cenas de nudez e sexo a todo o momento no filme!).
Assim, Nagumo atrai a atenção de Amano, um ser híbrido de humano e demônio dedicado à procura pelo ‘deus supremo’, bem como a insinuante irmã dele, Megumi, e um horda de demônios mal-intencionados interessados em destruí-lo.
Durante algum tempo, nada disso importa a Nagumo que só tem interesse na solução de sua complicação amorosa com Akemi. Contudo, os demônios se valem da evidente disputa com o rejeitado adolescente Nikki para arregimentar um aliado: Eles aproveitam o rancor irracional de Nikki para com Nagumo devido à predileção de Akemi por ele, e lhe oferecem um poder obscuro que afirmam ser capaz de sobrepujar Nagumo e conquistar Akemi; para isso, basta que Nikki (numa cena aterradora) corte seu próprio pênis fora com um cutelo (!), e o substitua por outro (!!) providenciado pelas próprias criaturas sobrenaturais.
Entretanto, em sua procura desesperada, Amano irá descobrir que Nagumo, apesar de realmente ostentar um imensurável poder oculto que se manifesta em seus momentos de ápice (no mais ele parece um jovem normal e tímido) não é o ‘deus supremo’ –na verdade, tal poder (que pode salvar ou destruir o mundo) pertence ao futuro filho de Nagumo e Akemi que, após algumas rodadas de sexo do casalzinho, já está em gestação no útero dela. Mesmo lá, porém, ele já oferece uma ameaça (!): Ele é tão poderoso que, em forma embrionária, já e capaz de manipular seu pai para transformá-lo numa besta insana e implacável destinada a varrer o mundo e prepara-lo para sua chegada (!).
Na esteira desses acontecimentos cada vez mais apoteóticos –e invariavelmente entrelaçados por algum viés sexual –está Amano usando de seus poderes para apaziguar o iminente apocalypse.
De flagrante qualidade técnica, “A Lenda do Demônio” é um hentai (como são chamadas as animações japonesas de apelo intrinsicamente sexual) que fez relativa fama no início dos anos 1990 entre aqueles jovens que, de uma forma ou de outra, tiveram acesso a ele. Sua trama repleta de numerosos personagens, todos conspirando uns contra os outros, deveria ter mais sentido e esclarecimento na série de quadrinhos japoneses da qual é adaptada (este é tão somente o primeiro filme da série!), no entanto, o caráter nebuloso e enigmático de seu desfecho amargo, filosófico e metafísico (quase uma bonança depois de tantas sequências de destruição e pirotecnia) certamente não importou muito a esse público que foi brindado com uma fusão incomum e caprichada de ficção científica, parábola apocalíptica e forte teor sexual.

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