Só os japoneses mesmo para realizar uma
animação tão convicta em sua transgressão, na perversidade adulta que emana de
suas intenções (não destituída, contudo, de extasiada jovialidade) e no arrojo
técnico com que concebe suas cenas –das mais convencionais às mais escabrosas
–dando a sensação de que foi um estúdio grande e conceituado que viabilizou tal
projeto; algo que, nos EUA, mesmo nos anos 1980, jamais aconteceria.
Na trama, existem três reinos metafísicos que
coexistem com a realidade (e que subentende-se serem o céu, o inferno e o
purgatório). Seres poderosos vindos desses mundos procuram há séculos por um
assim chamado ‘deus supremo’ destinado a surgir entre os humanos e ser o mais
poderoso dentre todas as criaturas a vagar pela terra.
Como toca uma trama a obedecer as
características desiguais do ‘mangá’, o maior suspeito vem a ser o inicialmente
perplexo colegial Nagumo que encontramos, na primeira cena admirando os corpos
nus das garotas no vestiário escolar –entre elas, o objeto primordial de seu
desejo, Akemi (e é incrível como a animação lança mão de circunstâncias sempre
elaboradas para que não faltem cenas de nudez e sexo a todo o momento no
filme!).
Assim, Nagumo atrai a atenção de Amano, um ser
híbrido de humano e demônio dedicado à procura pelo ‘deus supremo’, bem como a
insinuante irmã dele, Megumi, e um horda de demônios mal-intencionados
interessados em destruí-lo.
Durante algum tempo, nada disso importa a Nagumo
que só tem interesse na solução de sua complicação amorosa com Akemi. Contudo,
os demônios se valem da evidente disputa com o rejeitado adolescente Nikki para
arregimentar um aliado: Eles aproveitam o rancor irracional de Nikki para com
Nagumo devido à predileção de Akemi por ele, e lhe oferecem um poder obscuro
que afirmam ser capaz de sobrepujar Nagumo e conquistar Akemi; para isso, basta
que Nikki (numa cena aterradora) corte seu próprio pênis fora com um cutelo
(!), e o substitua por outro (!!) providenciado pelas próprias criaturas
sobrenaturais.
Entretanto, em sua procura desesperada, Amano
irá descobrir que Nagumo, apesar de realmente ostentar um imensurável poder
oculto que se manifesta em seus momentos de ápice (no mais ele parece um jovem
normal e tímido) não é o ‘deus supremo’ –na verdade, tal poder (que pode salvar
ou destruir o mundo) pertence ao futuro filho de Nagumo e Akemi que, após
algumas rodadas de sexo do casalzinho, já está em gestação no útero dela. Mesmo
lá, porém, ele já oferece uma ameaça (!): Ele é tão poderoso que, em forma
embrionária, já e capaz de manipular seu pai para transformá-lo numa besta
insana e implacável destinada a varrer o mundo e prepara-lo para sua chegada
(!).
Na esteira desses acontecimentos cada vez mais apoteóticos
–e invariavelmente entrelaçados por algum viés sexual –está Amano usando de
seus poderes para apaziguar o iminente apocalypse.
De flagrante qualidade
técnica, “A Lenda do Demônio” é um hentai (como são chamadas as animações
japonesas de apelo intrinsicamente sexual) que fez relativa fama no início dos
anos 1990 entre aqueles jovens que, de uma forma ou de outra, tiveram acesso a
ele. Sua trama repleta de numerosos personagens, todos conspirando uns contra
os outros, deveria ter mais sentido e esclarecimento na série de quadrinhos
japoneses da qual é adaptada (este é tão somente o primeiro filme da série!),
no entanto, o caráter nebuloso e enigmático de seu desfecho amargo, filosófico
e metafísico (quase uma bonança depois de tantas sequências de destruição e
pirotecnia) certamente não importou muito a esse público que foi brindado com
uma fusão incomum e caprichada de ficção científica, parábola apocalíptica e
forte teor sexual.
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