sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Mr. Vingança

Quando submetida a uma revisão, a cultuada Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park apenas faz crescer na concepção cinematográfica o brilhantismo singular que todas essas três obras ostentam.
É um exercício masoquista tentar dizer qual delas é a melhor, ainda que muitos sejam aqueles que apontam o primeiro filme, o genial “Mr. Vingança”, como dono de tal honraria.
Não é à toa.
Por tratar-se do primeiro exemplar de um projeto do qual não se teria ideia da repercussão, e por esse mesmo motivo encontrar seu realizador ainda jovem no princípio ávido de uma admirável carreira, percebe-se em “Mr. Vingança”, ao menos em sua revisão, as limitações orçamentárias que desaparecem progressivamente nos filmes seguintes. E percebe-se mais ainda o quanto Chan-Wook Park lança mão de uma criatividade constante e pulsante, presente praticamente em cada fotograma, para encobrir esse baixo orçamento com uma narrativa que hipnotiza do início ao fim.
Por meio dessa genialidade insuspeita somos apresentados à Ryu (Shin Ha-Kyun), um jovem e proletário surdo-mudo cujo maior objetivo na vida é poder ajudar a irmã (Lim Ji-Eun), que, convalescida, precisa de um rim com urgência, uma vez que ele próprio não é compatível para a doação.
Em vez disso, Ryu tenta outra manobra: Vender um rim seu em troca de um que tenha o sangue compatível para a irmã.
No entanto, os aproveitadores com quem negocia levam o dinheiro que ele juntou (dez milhões) e seu rim, deixando-o ainda mais lesado.
Pior: Um doador surge logo em seguida, mas desta vez os dois irmãos não têm mais o dinheiro que pagaria a operação.
A saída parece ser ilícita: Raptar a filha do homem que despediu Ryu dias antes. Os ricos têm dinheiro de sobra, pensam ele e sua namorada, Cha Yeong-Mi (Bae Du Na). A criança não sofrerá mal algum enquanto estiver com eles, e o dinheiro, no fim das contas, é para uma causa justa.
Todavia, é aí que o brilhantismo presente no roteiro e na direção começa a comparecer com doses maciças de ironia e tragicomédia envolvendo essas trajetórias humanas, não somente de Ryu, sua irmã e Cha, mas também do empresário Park Dong-Jin (Kang-Ho Song, ator presente em grandes trabalhos sul-coreanos), o pai da criança raptada, cuja estatura dentro da trama, a partir daqui começa a crescer consideravelmente.
Ignorante do sequestro (a quem ele contou somente que a criança ficou com eles porque os pais sofreram um acidente) a irmã de Ryu, ao descobrir que serviu de pretexto a um crime, se suicida.
Ao tentar enterrar a irmã –mesmo com o dinheiro do sequestro já em mãos –Ryu inadvertidamente leva à criança à beira de um rio onde acaba se afogando; colocando assim um pai inconsolável e vingativo em seu encalço e no de Cha.
Nesse interim, o próprio Ryu também tratará de rastrear os criminosos que roubaram o rim e o dinheiro. O fluxo de cada uma dessas tramas conduzirá a um banho de sangue.
O mais intrincado dos três filmes da Trilogia da Vingança –e por isso mesmo imensamente fascinante –“Mr. Vingança” se encerra, como não poderia deixar de ser, com um agridoce sentimento dúbio: Deixa um gosto deliberadamente amargo devido à desolação macabra que chega a impor aos seus personagens, mas também um assombro de estupefata admiração pelo primor irrestrito na obra que seu realizador entrega.

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