quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O Quarto do Filho

Talentoso, o diretor e ator italiano Nanni Moretti realizou um filme difícil de definir em sua rica e sensível dramaticidade.
Durante grande parte de sua duração –praticamente todo seu primeiro terço –“O Quarto do Filho” é nada mais que uma obra em gestação. Moretti demanda um tempo muito maior do que o normal para que conheçamos seus personagens, entre eles, o dele próprio, Giovanni, um pai de família, na medida do possível amoroso e atencioso que trabalha como analista, equilibrando seu cotidiano com as neuroses de seus pacientes.
Ele é casado com a bela Paola (Laura Morante) e tem dois filhos, o menino Andrea (Giuseppe Sanfelice) e a menina Irene (Jasmine Trinca).
É inevitável que os transtornos compartilhados por alguns de seus pacientes interfiram no modo com que lida com assuntos familiares; é o que quase acontece quando Andrea se torna suspeito, na escola, de ter furtado por brincadeira um fóssil de concha do laboratório.
Há um lirismo agridoce contido no modo com que Moretti narra esses eventos tão corriqueiros, dando a eles certa beleza que nem mesmo seus membros presentes conseguem perceber.
O verdadeiro propósito de “O Quarto do Filho” se revela bem tarde, quase na sua metade: Ao atender o chamado desesperado de um paciente, Giovanni deixa de fazer companhia ao filho numa manhã de domingo –e tal decisão, trivial naquele momento, o perseguirá na forma de um remorso tremendo por todo o restante do filme: Ao aventurar-se num mergulho submarino com alguns amigos, Andrea se envolve num incidente. Se afoga, e morre.
Sutilmente, o filme de Moretti instala seu drama e encontra aí sua razão de ser: A tentativa vã de entendimento de um luto insuportavelmente doloroso.
De volta ao trabalho, Giovanni ouve as aflições de seus pacientes num contexto diferente: O acompanhamento simultâneo de tantas angústias corriqueiras já não lhe permite uma indiferença profissional; ele experimentou uma dor real e inapelável. É notável a cena em que vemos Giovanni usando um controle remoto para regressar insistentemente uma música –ao fazê-lo, ele vislumbra também a possibilidade (ainda que inviável) de regressar também no tempo, na manhã em que Andrea morreu, e optar em ficar com ele, quem sabe, até alterando os eventos que levaram em sua morte.
Em algum momento, em que ele, Paola e Irene, cada qual lida com a perda à sua própria maneira, surge uma moça, Arianna (Sofia Vigliar), que sem que eles soubessem, estava apaixonada por Andrea.
E então, a família se vê assustada diante de alguém inesperadamente capaz de trazer à tona a lembrança tão poderosa do ente querido que se foi.
Tratando do drama de seus personagens com uma sensibilidade tão admirável quanto desigual –aspecto este cuja qualidade da execução proporcionou ao filme a Palma de Ouro em Cannes –Nanni Moretti realiza uma obra dona de um ritmo muito particular, pontuada de cenas repletas de profundo significado afetivo, mesmo em sua indefinida conclusão –como se a própria incapacidade de estabelecer um caminho a ser seguido dali para frente fosse um indicativo de suas motivações.
Nesse sentido, há uma beleza serena e melancólica na canção “By This River”, de Brian Eno, escolhida por Moretti para tocar em dois momentos do filme, sendo um deles, o seu final, numa praia ensolarada, vazia, desmemoriada, um alento breve para um pesar onipresente.

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