terça-feira, 26 de março de 2019

Um Lugar Tranquilo No Campo

Desde seus créditos iniciais, a intenção do filme de Elio Petri (de “A Classe Operária Vai Ao Paraíso”) é a de desconcertar: Imagens imprevisivelmente desestabilizadoras se alternam com telas de cores primárias e efeitos estroboscópios lisérgicos ao som de uma trilha sonora estranha e digressiva.
Lá no fundo, “Um Lugar Tranquilo No Campo” quer incorporar a concepção de realidade de seu próprio protagonista, o pouco realista artista de vanguarda vivido por Franco Nero.
Como ele, o filme de Petri subestima a realidade e dela tenta escapar a todo o momento –para infortúnio de seu personagem principal.
Leonardo (personagem de Nero cuja alcunha já faz uma relação algo pedante com Leonardo Da Vinci) é um pintor assolado por todas as peculiaridades do artista manhoso: Desde o sonho ambíguo e sexualmente repressor que inicia o filme até a realidade desperta onde ele segue cheio de suspeitas a agente literária e também namorada, Flavia (a belíssima Vanessa Redgrave, que casou-se na vida real com Nero), Leonardo se vê atormentado pela paranoia.
Produzir arte, para ele, significa livrar-se das inconveniências sociais e afastar-se de todos; daí o enorme interesse que uma casa de campo afastada na Itália lhe desperta.
Sob os protestos de Flavia, ele vai para lá, onde passa a dedicar-se às suas pinturas, entretanto, estranhas ocorrências não lhe escapam à atenção –ocorrências que tornam-se estranhamente mais violentas todas as vezes em que Flavia vem visita-lo (móveis parece cair sozinhos sobre ela, e bizarros acidentes fazem parecer que a própria casa a hostiliza!).
Logo, Leonardo descobre que o lugar foi palco de atrozes acontecimentos na época da Segunda Guerra, e que o fantasma de uma jovem trajada de vestido vermelho –o qual ele próprio já presenciou em algumas ocasiões –ronda por aqueles corredores, apresentando o mesmo comportamento da jovem quando era viva: Insinuante para com os homens; competitiva para com as mulheres.
Em momento algum o filme de Elio Petri se acomoda no convencionalismo sugerido nessa sinopse típica de casa mal-assombrada. Seu filme visita e revisita constantemente o interior artístico e efervescente do protagonista dando corpo a cenas que nem sempre somos capazes de distinguir entre um lampejo de imaginação, uma memória dilacerante ou um acaso sobrenatural. Essa opção autoral drena do filme uma identificação protagonista/expectador que normalmente um filme de terror nos moldes convencionais teria (o público não se relaciona por completo com Leonardo devido às suas esquisitices e, com efeito, importasse muito pouco com o fato dele estar numa casa assediada por fantasmas), no entanto, enche seu trabalho de curiosidade.

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